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Medidas do governo para enfrentar crise hídrica mudam de 2001 para 2021

Há 20 anos, racionamento compulsório de energia elétrica era adotado com objetivo de evitar blecautes

Medidas do governo para enfrentar crise hídrica mudam de 2001 para 2021
Hidrelétrica
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Fernando Henrique Cardoso (PSDB) e Jair Messias Bolsonaro (sem partido). Sem dificuldades, qualquer brasileiro que acompanha a política nacional consegue listar inúmeras diferenças entre o 34º e o 38º presidente do Brasil, a começar pela ideologia. Mas se o desafio for citar ao menos um ponto que eles têm em comum, 2021 tratou de trazer a resposta: ambos carregam como marcas de seus respectivos governos a passagem do país por uma crise hídrica. Decorridos 20 anos desde quando os termos "racionamento" e "apagão" apareceram com frequência nas conversas da sociedade brasileira pela primeira vez, o risco de interrupção no abastecimento de energia elétrica em decorrência do baixo nível dos reservatórios das hidrelétricas volta a preocupar as autoridades e demais cidadãos. Entretanto, é possível observar distinções nas medidas adotadas pelo Executivo diante do problema daquela vez e agora.

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O doutor em economia e pesquisador do Centro de Estudos e Regulação em Infraestrutura da Fundação Getulio Vargas (FGV CERI) Diogo Lisbona relembra que, em 2001, quando o governo reconheceu a gravidade da crise hídrica, mais especificamente em maio daquele ano, o Planalto não só criou a chamada Câmara de Gestão da Crise de Energia Elétrica como também anunciou um racionamento com caráter compulsório -- principal forma de manter o equilíbrio da oferta e demanda na época. "Você tinha uma meta de redução [do consumo de energia] que era em torno de 20% e você tinha uma penalidade para quem não cumprisse essa meta", explica.

Tanto consumidores de baixa como de alta tensão precisavam diminuir o consumo médio e, nas palavras do professor, "se você não cumprisse a meta por mais de uma vez, tinha uma ameaça de corte [da energia] individual". Às empresas do ramo industrial, foi dada a oportunidade de negociar as cotas de consumo; se alguma optasse por não reduzir, podia pagar pela redução praticada por outra.

O professor Ildo Luis Sauer, vice-diretor do Instituto de Energia e Ambiente da Universidade de São Paulo (IEE/USP), acrescenta que a única região do país na época que não teve de racionar foi o Sul, "porque a linha de transmissão que conectava o Sul ao Sudeste tinha baixíssima capacidade, então racionar energia do Sul, que teria dificuldade de ser transmitida para o Sudeste, não fazia sentido". De todo modo, atualmente, o enfrentamento da crise pelo governo vêm sendo feito mais com determinações voltadas à oferta do que à demanda de energia, diferentemente de duas décadas atrás.

Diogo Lisbona pontua que o atual racionamento não veio acompanhado de penalidades para quem não adotá-lo e "é mais indicativo". Dessa forma, grandes consumidores que reduzirem o gasto serão recompensados e pequenos (regulados) que diminuírem "de 10% a 20% do seu consumo em relação à média de setembro a dezembro do ano passado ganharão um bônus de R$ 0,50 por quilowatt-hora (kWh), que representa em média metade da tarifa média residencial"; os pagamentos, nesse segundo caso, deverão começar em janeiro de 2022. Em relação aos grandes consumidores ainda, o professor afirma que a redução se trata, na realidade, de um deslocamento do consumo do horário de ponta do sistema para outro. 

"Então hoje tem uma preocupação maior não para atender a demanda em qualquer horário, mas principalmente no horário de ponta, porque os reservatórios estão muito esvaziados, e quem faz essa modulação ao longo do dia são as hidrelétricas. Então, como ela tem menos água nos reservatórios, para gerar a mesma potência ela acaba gastando mais água", diz Diogo. E o motivo dessa mudança na estratégia de enfrentamento à crise está relacionado com alterações no setor elétrico registradas nos últimos 20 anos. Em 2001, as hidrelétricas eram responsáveis por 90% da geração de energia no país. Hoje, por outro lado, representam 50% da geração.

De acordo com Sauer, "houve uma expansão da capacidade térmica relativamente grande". Por volta de 2006, o governo federal, explica, passou a contratar uma grande quantidade de usinas termelétricas movidas a óleo combustível e óleo diesel e, dessa forma, "reduziu a chance de ter racionamento". Contudo, ele avalia que o custo da solução encontrada foi aumentado de forma desnecessária, "porque a mesma capacidade de segurança energética poderia ter sido obtida com a contratação de mais usinas eólicas, que se tornaram técnica e economicamente viáveis a partir dos anos 2007, e das fotovoltaicas, que se tornaram economicamete competitivas a partir de 2015 já, produzindo energia muito mais barata".

Outras medidas

A criação da Câmara de Gestão da Crise de Energia Elétrica e o racionamento com caráter compulsório -- anunciado em cadeia nacional de rádio e TV -- foram as principais medidas adotada pelo governo de FHC no início do século para manter o abastecimento de energia na crise hídrica, mas não as únicas. Importação de energia, incentivo à substituição das lâmpadas incandescentes por lâmpadas fluorescentes compactas e a criação da Comercializadora Brasileira de Energia Elétrica (CBEE) também foram feitos.

Nas palavras do professor Ildo Luis Sauer, a troca das lâmpadas "era uma medida de aplicação imediata e houve uma penetração extraordinariamente rápida dessas tecnologias de iluminação, porque elas estavam prontas e era rápido o processo". Na época, segundo ele, a iluminação representava um terço do consumo de energia residencial. Ele relembra também que, diante da crise, acadêmicos da USP participaram de "uma espécie de educação popular para eficiência energética"; o foco foi a iluminação.

A CBEE, por sua vez, segundo Sauer, "garantiu a compra de energia a preço altíssimo, que seria entregue por um período de três anos apenas". Contudo, explica, a construção das estruturas do programa de energia emergencial começaram apenas após o racionamento e todos os brasileiros precisaram pagar a conta do investimento -- de cerca de R$ 1,5 bilhão -- por meio do que ficou conhecido na época como "seguro-apagão".

Já na atual crise hídrica, além dos programas de racionamento voluntário, o Executivo vem acionando termelétricas e importando energia, obrigou os órgão federais a reduzirem o consumo em 20% e criou a chamada Câmara de Regras Excepcionais para Gestão Hidroenergética (Creg). Por meio dela, de acordo com o Diogo Lisbona, o Operador Nacional do Sistema (ONS) ganhou poderes para atuar com mais flexibilidade nos subsistemas -- o que garante o transporte de mais energia, mas com um risco acentuado -- e não respeitar limites mínimos de defluência em hidrelétricas, "e aí ele está armazenando mais água em alguns reservatórios de cabeceira".

Demora na resposta

Na avaliação de ambos os professores, uma similaridade entre os dois períodos de crise hídrica, porém, foi o agravamento do risco de problema no abastecimento de energia em razão de demora por parte do governo em tomar medidas necessárias de enfrentamento. Segundo Diogo, "por uma série de razões, na década de 90, a gente reestruturou o modelo do setor elétrico e acabou não expandindo a capacidade instalada naquela década e a demanda foi aumentando, a gente teve anos com uma hidrologia ruim, esvaziamos os reservatórios e ficamos expostos para atender a demanda".

A mudança no modelo do setor elétrico a que se refere consistiu em incentivos para que empresas privadas investissem na expansão da capacidade do sistema baseado no preço do mercado atacadista. Na visão de Sauer, então, "o racionamento aconteceu por um problema de gestão anterior". Ele acrescenta que pouco antes da medida, o governo anunciou a criação de um programa prioritário de termelétricas, mas as usinas não ficaram prontas a tempo.

Por outro lado, para o professor da FGV, após o governo compreender a gravidade da crise, a mensagem foi passada de forma clara para a população e houve uma "adesão muito grande e imediata da sociedade"; a redução do consumo nas casas foi de 15% a 20% e, em fevereiro de 2002, o racionamento teve fim. Já as mensagens das autoridades hoje são classificadas por ele como sendo, por vezes, "dúbias, porque o ministro começou dizendo que não haveria risco, que não haveria racionamento". Além disso, o especialista alerta para o fato de a estratégia atual de olhar mais para a oferta de energia do que para a demanda ter um custo muito alto, demonstrado pela implementação da bandeira tarifária de escassez hídrica

"Por exemplo, o custo médio da geração a gás natural é em torno de R$ 500 o megawatt-hora [MWh] e isso representa o dobro do custo médio para atender o mercado regulado em condições normais, o que era projetado para esse ano. O custo médio das usinas a óleo diesel é R$ 1 mil, então é quatro vezes o custo médio de geração do mercado regulado."

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