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Incentivo à redução do consumo de energia atrasou, dizem especialistas

Medidas para desestimular demanda vieram em agosto, mas Bolsonaro quer reduzir ICMS da bandeira tarifária

Incentivo à redução do consumo de energia atrasou, dizem especialistas
Lâmpada acesa aparece ao lado de outra prestes a apagar (Marcello Casal Jr./Agência Brasil)
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É fundamental que toda a população brasileira participe "de um esforço inadiável de redução do consumo", disse o ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, ao admitir na 3ª feira (31.ago) que a situação hidroenergética do Brasil havia piorado desde seu discurso anterior na rede nacional de rádio e TV, em junho. Naquela ocasião, há pouco mais de dois meses, também pediu que a população evitasse desperdícios, mas utilizou parte da fala para afastar a possibilidade de racionamento. E, agora, especialistas avaliam que, na realidade, o governo demorou para tomar medidas importantes diante da crise hídrica e sinalizar com clareza a gravidade da situação.

Em 23 de agosto, o Ministério de Minas e Energia (MME) publicou uma portaria com diretrizes para que grandes consumidores apresentem propostas de redução voluntária da demanda de energia elétrica (RVD). Dois dias depois, um decreto presidencial obrigou os órgãos federais a reduzirem o consumo de energia em 20%. Já em 31 do mesmo mês, o Executivo anunciou a criação da chamada "bandeira escassez hídrica" e um programa de redução voluntária, que prevê bonificação aos consumidores regulados que economizarem.

Em entrevista ao SBT News, o doutor em economia e pesquisador do Centro de Estudos e Regulação em Infraestrutura da Fundação Getulio Vargas (FGV CERI) Diogo Lisbona afirmou que, na situação atual, na qual o risco de ocorrer um apagão tende a crescer devido às condições críticas de operação do sistema, "a melhor resposta é racionar o consumo para não faltar energia". Por outro lado, acrescentou, mesmo com as discussões sobres os riscos da crise tendo começado a serem feitas de forma ampla na imprensa a partir de maio, entre aquele mês e setembro, o governo "agiu pouco nessa direção [de racionamento], então agora que ele está desenhando os primeiros programas e já está em vigência".

"A mensagem tem que ser muito reforçada, da necessidade de redução, principalmente da necessidade na hora da ponta da demanda, quer dizer, tem que reduzir o consumo e reduzir no horário de maior consumo coincidente, que é ao final do dia, no início da noite", completou. O professor do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (IE/Unicamp) e pesquisador do Núcleo de Economia Industrial e da Tecnologia (NEIT) Marco Rocha concorda que os incentivos para redução da demanda vieram de forma tardia.

Segundo ele, não é simples para as famílias e a indústria -- que entra como um grande consumidor -- diminuírem o consumo de energia. No segundo caso, diz o professor, as empresas podem investir em "geração, em cogeração, em outras formas de você utilizar menos energia, ou você vai gerar parte da sua própria energia, só que isso demora um tempo, é um ajuste que não é feito do dia para a noite". Dessa forma, acredita, para apresentarem propostas de RVD, elas reduzirão a produção.

O Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) liberou em 1º de setembro um endereço eletrônico para as companhias fazerem ofertas de RVD. Em conversa com o SBT News, o especialista em energia da Confederação Nacional da Indústria (CNI) Roberto Wagner Pereira confirmou que nenhuma proposta foi feita até o momento. Segundo ele, o setor está esperando o ONS e a Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) preparem "a parte que são as linhas de base, para fazer comparação da possível economia de energia". São aguardados também detalhes sobre "a transação financeira dessa redução".

"Na verdade, nós estávamos aguardando ainda para esta semana que a gente já tivesse essas regras. Mas provavelmente vai ficar pra semana que vem. O que ainda dá tempo que realmente é um problema, é algo que precisa ser alinhavado com bastante certeza para que a gente não tenha um problema mais tarde. Mas com certeza a gente espera que esse mês de setembro isso comece a valer e a gente comece a ter noção de quantas empresas vão aderir ao programa", pontuou na 5ª feira (2.set).

Roberto avalia que as medidas adotadas pelo governo frente à escassez de chuva, desde o ano passado, entre as quais também estão a restrição de vazão de hidrelétricas e acionamento de termelétricas, são corretas "dentro de uma realidade possível". Ainda de acordo com ele, "você pode radicalizar essas medidas, só que o o preço da energia dispara".

Bolsonaro e o ICMS

Mesmo com o governo atuando, por meio do aumento da bandeira tarifária, no sentido de sinalizar ao consumidor a importância da redução do consumo, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) afirmou em live, na semana retrasada, que busca um acordo com governadores para que diminuam o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), o que baratearia a conta de luz. Para o professor Marco Rocha, a ação é "irresponsável".

"É um contrassenso em relação ao regime de incentivos que o próprio governo está querendo criar. Agora, é mais irresponsabilidade ainda se você levar em consideração que os estados estão em uma crise financeira, por conta do aumento dos gastos relativos à pandemia", destacou. O economista acrescenta que a proposta de reforma tributária encaminhada pelo Executivo ao Congresso também "vai onerar os estados". Ainda em sua visão, a fala de Bolsonaro na live é "muito mais uma questão simbólica, quer dizer, é o Governo Federal querendo criar um conflito com os governos estaduais e informar o seu eleitorado que todos os problemas são relativos aos governos estaduais".

O professor Diogo, da FGV, concorda que discutir uma redução do ICMS sobre a energia em meio à crise hídrica poderia equivocadamente incentivar o consumo de energia. Procurado pelo SBT News para que comentasse se o ministro Bento Albuquerque está realmente negociando a medida, o MME não respondeu; o espaço segue aberto para manifestações.

Economia nos próximos meses

No mês passado, pesquisa da CNI mostrou que 61% dos industriais estão preocupados com a chance de instabilidade ou interrupções no fornecimento de energia. Porém, segundo o especialista em energia da instituição Roberto Wagner Pereira, a expectativa é de que "esse ano, apesar do risco, a gente consiga passar sem uma restrição maior". "A gente vai ter um problema muito sério se esse ano continuar um ano ruim de chuva como tem sido, como foi esse ano o pior, e nos últimos cinco anos que choveu muito pouco. Se a gente tiver outro ano de restrição de chuva, aí pode ser que em 2022 a gente tenha um problema."

Por enquanto, segundo Roberto, a produção industrial não foi impactada pela crise hídrica. Entretanto, "com o aumento agora das bandeiras tarifárias elas [empresas menores] já começam a sentir esse aumento. Então a gente acredita que, daqui para o final do ano, essa elevação de custo começa realmente a impactar a competitividade da indústria".

A escassez de chuva impacta não só na geração de energia, mas também na agropecuária, relembram os professores Diogo e Marco. Dessa forma, acrescenta o segundo, o poder de compra das famílias diminui e o consumo de bens da indústria cai, forçando também a produção para baixo. "Tudo isso cria um horizonte de incerteza nos próximos meses aí, até o fim do ano, na economia brasileira. E a incerteza também é um fator que agrava a tomada de decisão em relação a produção e a investimento", pontuou.

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