Reservatórios chegarão "muito melhor" ao período seco de 2022, prevê ONS
Especialista diz, porém, que é preciso mais de um verão muito chuvoso para recuperar padrões de volume
A crise hídrica pela qual o Brasil vem atravessando em 2021 e tomou a forma do pior nível de águas chegando aos reservatórios das hidrelétricas dos últimos 91 anos perderá força nos próximos meses, com as chuvas de verão, segundo estudos produzidos pelo Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS). Entrentanto, o Ministério de Minas e Energia (MME) afirma que é preciso acompanhar a precipitação no período, e o coordenador do Grupo de Estudos Climáticos da Universidade de São Paulo (GrEC/USP), professor Tércio Ambrizzi, alerta que para recuperar os padrões climatológicos do volume dos reservatórios no Sudeste, onde estão os principais, são necessários dois ou três verões "muito chuvosos, com chuvas acima da média".
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Os estudos do ONS analisam dois cenários de hidrologia para o chamado período úmido 2021/2022, que vai de dezembro deste ano até abril do próximo. No primeiro, é considerado o pior volume de chuvas do histórico, que foi registrado entre 2020 e 2021, enquanto o segundo considera condições climatológicas parecidas com as observadas atualmente, em que o fenômeno La Niña -- que ocorreu anteriormente entre 2017 e 2018 e consiste num esfriamento anormal nas águas superficiais do Oceano Pacífico Tropical -- está em andamento e tende a reforçar as chuvas em várias regiões do país. Segundo o MME, "em ambos os cenários, a avaliação conclui que se deve chegar ao início do período seco de 2022 (maio a novembro) em situação muito melhor do que ocorreu em 2021".
Em entrevista ao SBT News, Ambrizzi pontuou, porém, que não há qualquer indicativo de que o Sudeste terá um verão completamente chuvoso, ou seja, "com chuvas muito acima da média". Para o especialista, mesmo que aumente o volume de precipitações, o La Niña não garante que o dos próximos meses será "suficiente para deixar os reservatórios [das hidrelétricas] numa posição confortável". Ainda de acordo com o professor, nas últimas semanas, vem chovendo muito em Minas Gerais, parte do Espírito Santo e sul da Bahia, mas não tanto em São Paulo, por exemplo. "As represas aqui em São Paulo, Guarapiranga, continuam com níveis baixos. Então se, por exemplo, esse padrão permanecer pelos próximos meses, novamente, em termos médios, a chuva estará abaixo do esperado da climatologia. E com isso você já começa novamente um ciclo do ano mais seco, que é o outono, mais seco ainda no inverno, que comece a chover na próxima primavera, de 2022, com reservatórios novamente abaixo do seu volume climatológico. E aí a crise hídrica vai continuar e pode inclusive piorar", completou.
O MME diz estar trabalhando, assim como órgãos do setor, para "garantir a segurança do suprimento eletroenergético do país, mesmo se o nível de chuvas for pior do que o previsto nos cenários estudados [pelo ONS]". A coordenadora do Laboratório de Climatologia e Análise Ambiental da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), professora Cássia Ferreira, por sua vez, afirma que, conforme previsão do Instituto Nacional de Metereologia (Inmet), em praticamente todo o período do verão, na região dos principais reservatórios, haverá "chuvas ou muito próximas à média ou acima da média, e isso ainda atrelado a uma primavera que foi muito chuvosa". "Praticamente os ambientes, em todas as áreas, a primavera foi e teve chuvas acima da média. Isso nos coloca para o período onde tem uma diminuição drástica das chuvas com um excedente hídrico significativo".
Aquecimento global
Segundo o coordenador do GrEC/USP, a expectativa é que, ao contrário do necessário, o Sudeste pode não ter uma sequência de dois a três verões muito chuvosos, porque a tendência observada é de queda no volume de precipitações. "E obviamente essa tendência está dentro de uma projeção maior que está associada ao aquecimento médio global. Ou seja, de fortalecer os eventos extremos. Nós tivemos recentemente aí, por muitos anos, secas na região Nordeste, todos nós acompanhamos, e aqui nas regiões Sudeste e Sul, nós temos tido também sistematicamente chuvas abaixo da média ao longo dos últimos anos. Na verdade, desde de 2010, 2011, tem chovido bem menos do que em décadas anteriores", pontuou.
Chuvas abaixo da média, relembra o professor, vem sendo registradas também no Centro-Oeste do país. "Quando você tem menos chuvas lá e isso coincide com eventos de ondas de calor, como aconteceu entre setembro e novembro do ano passado, ali na região central do Brasil, isso faz com que você aumente inclusive o número de focos de incêndio, você tem recorde de temperatura". Alteração nesse cenário de queda no volume de precipitações, explica o professor, pode ser feita apenas em médio e longo prazo, e diminuindo a emissão de gases do efeito estufa, em especial o dióxido de carbono (CO2).
Em suas palavras, "para que a nossa região [Sudeste], por exemplo, volte a ter a sua variabilidade natural, ou seja, um ano pode chover mais, dois anos a mais, um ano se chove um pouco menos, mas na média ele não muda, isso ainda pode durar muitos anos". "Eu diria muitas décadas, no sentido de que vai depender de como que nós estivermos tratando as emissões globais e, com isso, minimizando esses impactos que nós temos observado".
A professora Cássia Ferreira concorda que o aquecimento global vem propiciando eventos extremos, como chuvas intensas em um curto período ou momentos muito secos e, portanto, pode estar influenciando na variabilidade das chuvas no país. Em outros anos recentes, como 2014, 2015 e 2017, relembra a coordenadora do Laboratório de Climatologia e Análise Ambiental da UFJF, houve crises hídricas no território nacional também, tanto em relação aos reservatórios das hidrelétricos como aqueles para abastecimento de água potável.
Racionamento descartado
Na 4ª feira (15.dez), o diretor-geral do ONS, Luiz Carlos Ciocchi, disse que "dependendo das chuvas, podemos ter um ano de 2022 com mais ou menor tranquilidade". "Com o cenário de hoje, não vemos nenhuma possibilidade com relação a racionamento ou apagão causado por questões hídricas", completou.
Ainda na data, ele divulgou perspectivas do ONS para o ano que vem segundo as quais, até maio, o subsistema Sudeste/Centro-Oeste alcançará 58% de armazenamento de energia, índice que hoje está em 20%. Para o Sistema Interligado Nacional (SIN), a entidade prevê armazenamento de 34% até o final de dezembro de 2021.
A expectativa do Operador ainda é que 10 mil megawatts (MW) de potência entrem no SIN no próximo ano, al'wem de mais 16 mil km de linas de transmissão.