Programa de resposta da demanda pode baratear energia, diz pesquisador
Acionamento de termelétricas na crise hídrica fez conta de luz pesar mais no bolso dos brasileiros
A manutenção da bandeira tarifária escassez hídrica, na conta de luz, até abril de 2022 e a previsão de que o aumento do preço da energia seja de 21,04% no próximo ano, em decorrência da crise hídrica, preocupam consumidores e levam especialistas a pensarem em alternativas para que o crescimento do custo da geração não seja sentido tão fortemente no bolso pelos brasileiros. Para o pesquisador Roberto Brandão, do Grupo de Estudo do Setor Elétrico da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Gesel/UFRJ), uma das ações passa por criar um programa permanente de oferta de redução voluntária da demanda de energia, seguindo o exemplo de outros países, como os Estados Unidos.
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No início do mês, o Operador Nacional do Sistema (ONS) suspendeu o recebimento de ofertas de redução voluntária da demanda (RVD) no âmbito do programa voltado para grandes consumidores, como a indústria, que foi criado pelo governo em agosto por causa da crise hídrica. Segundo a entidade, com a chegada do período úmido no prazo esperado e adesão das empresas nos últimos meses, não é mais necessário uso de reserva operativa para atender o período de pico no consumo de energia no dia e, portanto, não há sentido em receber novas propostas de RVD.
Em entrevista ao SBT News, Roberto Brandão disse que a medida se tratou de "um programa muito interessante, que teve um razoável sucesso, mas criado numa situação excepcional aonde o país estava na eminência de ter problemas de déficit de potência e nos horários de maior consumo". Dessa forma, avalia que teria sentido em mantê-lo, no atual cenário, somente se, ao mesmo tempo, houvesse o deslocamente de uma térmica mais cara, mas a "governança" da crise no país vem sendo feita de forma "a conseguir uma resposta apesar do preço".
"Não se criou na verdade um mecanismo de mercado consolidado como existe, por exemplo, no Texas, aonde todos os dias os consumidores, alguns consumidores fazem ofertas de respostas da demanda e isso entra na dinâmica de mercado normal", completou. O acionamento de termelétricas é um dos motivos pelos quais a conta de luz encareceu na atual crise hídrica. Portanto, um programa permanente de resposta da demanda baratearia o preço da energia caso realizado de modo que a redução voluntária fosse acompanhada do interrompimento do uso de alguma usina térmica, de acordo com o pesquisador.
Roberto Brandão relembra ainda que essa não foi a primeira vez que se aceitou ofertas de redução do consumo de energia por parte da indústria. Em 2017, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) estabeleceu critérios para que passasse a funcionar um programa piloto de Resposta da Demanda, que, em 2020, teve sua abrangência ampliada. Porém, segundo o pesquisador, nesse caso, foi uma má experiência.
"Entre os problemas, você reduzia o consumo, a indústria reduzia o consumo e ganhava pelo mercado de curto prazo. Era ali que era a remuneração, e o mercado de curto prazo, justamente no momento que se lançou o piloto, tinha uma inadimplência enorme. Você tinha um crédito que não recebia, então ninguém levou isso a sério", pontuou.
Resposta dos consumidores do mercado cativo
Apesar de o ONS ter suspendido o recebimento de ofertas de RVD de grandes consumidores, continua em vigor o programa voltado para aqueles do mercado cativo, ou seja, os que são atendidos pelas distribuidoras de energia elétrica. Segundo Marcos Madureira, presidente da Associação Brasileira das Distribuidoras de Energia Elétrica (Abradee), houve uma adesão de cerca de 37% em relação ao total de pessoas que o setor entendia como aptas para participarem.
"Isso é um ponto importante, porque são consumidoras, esse percentual de consumidores conseguiu reduzir o consumo de 10% a 20%. Então acho que tem tido um sinal favorável por parte da população", avalia. A primeira fase desse programa deverá ir até o próximo mês. De acordo com Marcos, "é importante até que os consumidores continuem, aqueles que reduziram, que estão conseguindo ter resultado, continuem fazendo esse trabalho de ter um um consumo mais consciente e com isso atingir aí ao final do mês de dezembro a redução de todos os quatro meses, está apto a receber os descontos, assim como aqueles que ainda não conseguiram nos primeiros meses, fazer um esforço para procurar atingir, porque a meta é meta de quatro meses".
Embora a conta de luz já tenha registrado aumentos expressivos nos últimos meses, ele acrescenta que as distribuidoras atuam com um certo descasamento. "Muitas vezes o valor do despacho, o valor da energia termina sendo maior do que aquele que está sendo arrecadado. Que é o que nós estamos passando nesse momento". "Mesmo com a bandeira tarifária que foi criada aí para a escassez hídrica, o custo da energia pelo despacho de térmicas mais elevadas, pela contratação de importação de energia, pelos próprios programas de redução voluntária, que são programas para reduzir o consumo, mas que tem seu custo [por causa da bonificação], para que o consumidor tenha sentido para isso, faz com que tenha existido uma elevação nos custos da parcela de energia e, para isso, existe um valor que precisa ser equacionado".
O presidente da Abradee diz ainda que, para não repassar todo o aumento de uma vez aos consumidores e impactar fortemente o mercado num momento de reaquecimento da economia, as autoridades vem trabalhando em um financiamento por meio do qual a população diluiria o valor em um prazo maior.