Militares ignoram perfil de atiradores autorizados pelo Exército
Força não sabe origem, gênero, idade e renda dos CACs, controlados pelos próprios militares
O Exército não sabe a origem, o gênero, a idade ou mesmo a renda salarial - e os quantitativos por profissão - dos mais de 400 mil caçadores, atiradores e colecionadores (CACs) registrados no Brasil. Em resposta a uma solicitação da reportagem do SBT News, a partir da Lei de Acesso à Informação (LAI), a Diretoria de Fiscalização de Produtos Controlados (DFPC) admitiu a ausência de dados.
"A respeito do assunto, a Diretoria de Fiscalização de Produtos Controlados esclareceu que as informações referentes a gênero e idade não são exigidas para o registro junto ao Exército, conforme Anexo B da Portaria nº 150 do COLOG, de 5 de dezembro de 2019, que trata do requerimento para concessão de CR para atividades CACs. Sendo assim, não há como realizar esse levantamento", diz o Exército.
No caso das profissões, o Exército apresenta uma miríade de profissões (sem quantitativo por atividade), "como forma de atender à solicitação", em ordem alfabética, que, na prática, serve pouco para identificar os grupos que estão se armando: de açougueiro a advogado, passando por agricultor e desembargador, o Comando do Exército listou 91 atividades profissionais. "Com relação à informação referente a profissões, estes lançamentos são realizados na forma de preenchimento livre, ou seja, por extenso, o que inviabiliza a padronização das informações fornecidas pelos registrados", diz o comando do Exército.
Uma pista sobre o gênero predominante, entretanto, é dada. Em um único caso, a profissão é informada no feminino: pedagoga, o que pode mostrar uma predominância de homens que estão se armando mais - mas tudo é incerto. Assim, o que se vê é que, o principal controlador do comércio de armas no Brasil, não tem um cadastro eficiente. Resta buscar outras pistas, a partir das regiões militares com mais liberação de registros de CACs e mesmo autorizações para clubes de tiros.
No primeiro caso, um levantamento do Instituto Sou da Paz, há um dado óbvio sobre os CACs: o maior número, 123.734, está na 2ª Região Militar (RM), que corresponde a São Paulo. Mas já é possível identificar os estados da região Sul (3ª RM), com crescimento de caçadores, atiradores e colecionadores. No Paraná, Santa Catarina e no Rio Grande do Sul há um total de 137.675 CACs. No caso dos clubes de tiros, um levantamento do site SBT News mostra que esses estados foram os que mais registraram tal comércio no ano passado: 84, duas vezes a mais do que São Paulo.
"As lacunas de informações do SIGMA (Sistema Militar de Armas, controlado pelo Exército) sobre o perfil dos CACs impedem a implantação de um controle efetivo sobre essa categoria. É grave, pois contrária ao que diz o Estatuto do Desarmamento", afirma Arthur Trindade, diretor do Instituto de Ciências Social da Universidade de Brasília (UnB), integrante do Núcleo de Estudos sobre Violência e Segurança (NEVIS/UnB) e conselheiro do Fórum Brasilieiro de Segurança Pública.
No início deste mês de julho, o jornal Folha de São Paulo revelou que o Exército também é incapaz de produzir relatórios sobre os tipos de armas atualmente nas mãos dos CACs. A resposta dos militares para a ausência de dados é a mesma: falta de padronização de campos do Sigma.
Em nota, o Exército afirma que dados estatísticos por unidade da federação, tipos ou modelos de armas, classificações identitárias dos administrados e outras informações, como foi solicitado por algumas ONG e/ou veículos de imprensa, estão fora dos parâmetros necessários às ações de fiscalização. "Assim, não há razão para que tais informações constem nos bancos de dados e/ou sistemas de informação."