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Cracolândia: especialistas apontam alternativas além da repressão policial

Situação deve ser vista como problema de saúde pública e não criminal

Cracolândia: especialistas apontam alternativas além da repressão policial
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A situação da chamada Cracolândia vem se agravando na capital paulista. Antes instalada na região da Luz, em 1990, a aglomeração de dependentes químicos começou a se espalhar por diferentes partes do centro em março de 2022. A ordem foi dada pelo crime organizado, que vinha sendo sufocado pelas operações policiais na região. Hoje, a Cracolândia engloba partes das avenidas Duque de Caxias, Cásper Líbero, Mauá, bem como o bairro Campos Elíseos, reunindo cerca de 1,6 mil pessoas.

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Políticos de vários partidos já tentaram acabar com a aglomeração, que foi alvo de ações violentas, como a "Operação Dor e Sofrimento", de 2012, e acolhedoras, como o programa "De Braços Abertos", de 2014. O último plano foi lançado neste ano pelo governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) em parceria com o prefeito Ricardo Nunes (MDB), que apostaram em internações compulsórias e na contratação prioritária de pessoas em situação de rua. A ação, no entanto, não obteve resultados significativos.

Em julho, Tarcísio anunciou que pretendia transferir os dependentes químicos da Cracolândia para o bairro do Bom Retiro, também no centro da capital, onde os profissionais poderiam contar com o Complexo Prates para oferecer serviços de saúde e de combate à dependência química. A ideia não foi bem recebida pelos moradores e comerciantes da região, o que fez o governador recuar e reavaliar o plano.

Para Rafael Alcadipani, professor da Fundação Getulio Vargas (FGV) e membro do Fórum de Segurança Pública, o caminho para conter a Cracolândia engloba ações conjuntas entre estado e prefeitura. Uma das principais metas é enfraquecer o tráfico de drogas para conseguir promover assistência aos dependentes químicos. "O combate ao tráfico de drogas tem sido feito, mas é muito difícil. Uma opção é descriminalizar o porte para consumo próprio e pensar em medidas judiciais para conseguir o tratamento para essas pessoas", opina. 

Tal regulamentação está sendo avaliada pelo Supremo Tribunal Federal (STF). A ação começou a ser debatida em 2015 e questiona o artigo 28 da Lei de Drogas, que considera crime a compra, guarda ou transporte de drogas para uso pessoal. Como o caso tem repercussão nacional, o que for decidido na Corte impactará todas as ações relacionadas ao tema que tramitam no país. Até o momento, três ministros votaram a favor da descriminalização, sendo que dois limitaram o voto ao porte de maconha.

Segundo Alcadipani, a descriminalização faria com que o uso de drogas fosse enfrentado como problema de saúde pública e não de natureza criminal -- opção já defendida pelo ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania, Silvio Almeida. Isso não quer dizer que o uso seria legalizado, uma vez que os traficantes continuariam respondendo criminalmente pelos atos. A medida serviria apenas para afastar os usuários dos presídios, onde muitos acabam entrando no tráfico de drogas para sanar o próprio vício. 

"É importante ressaltar que, embora essa seja a visão ideal, a mudança poderia gerar um custo muito grande para a área da saúde", diz Alcadipani. "Eu acredito, sim, que temos que pensar na saúde e no tratamento dos usuários, mas tem uma dimensão de crime que precisa ser tratada pela polícia, não tem como fugir", acrescenta.

Procurada, a Secretaria de Segurança Pública (SSP) afirmou que vem aumentando o enfrentamento à criminalidade na área central com policiamento ostensivo, trabalho de investigação e operações especiais. No último sábado (22.jul), por exemplo, um trabalho de inteligência resultou na prisão de 16 pessoas por envolvimento com tráfico de drogas na região. Já na 4ª feira (26.jul), a polícia prendeu Mardel Vidal da Silva, considerado umas das principais peças no jogo de logística e distribuição de drogas na Cracolândia.

Debate na Câmara Municipal

Além da atuação conjunta do governo e da prefeitura, acredita-se que a participação da iniciativa privada, da sociedade civil e da população afetada seja crucial para chegar a uma estratégia que contemple a complexidade do problema apresentado hoje pela Cracolândia. Nesta linha, a vereadora e especialista em direito público Janaína Lima (MDB) criou o Fórum de Debates e Proposições da Cracolândia. A ideia é discutir medidas assertivas adotadas em outros países com o mesmo problema e trabalhar em ações para conter o problema a médio prazo.

"O ponto central é este: são pessoas, vidas humanas que transitam por ali, de modo que não dá para adotar uma política simplista e somente removê-las sem assegurar a elas condições dignas de sobrevivência. Por isso, a missão exige uma ação conjunta como está sendo feita hoje entre município e estado, com compromisso de todas as instituições e sociedade para colaborar e contribuir, para sermos capazes de ir além das discordâncias e pensar única e exclusivamente no resgate dessas vidas", diz Janaína.

A Cracolândia é um problema que deve ser enfrentado de forma conjunta entre estado e município. Isso porque, além do aumento da dependência química e da expansão do tráfico de drogas, a aglomeração está se espalhando cada vez mais pelo centro da capital. Nos últimos meses, muitos usuários começaram a saquear estabelecimentos comerciais, forçando os donos a fecharem as portas. A degradação e sensação de insegurança também impactam na especulação imobiliária, bem como afasta os moradores que já possuem imóveis no local.

+ Cracolândia: paulistanos consideram estado e prefeitura responsáveis pela situação

"Acabar com a cracolândia é uma tarefa complexa que exige estratégia e inteligência. Temos ali um problema que perdura por mais de 30 anos e não foi enfrentado da maneira adequada por sucessivos governos. Acredito que uma nova abordagem precisa ser testada para que seja possível se comparar os resultados. É preciso não abandonar a repressão, mas mudar o seu foco. A descriminalização [do porte de drogas para consumo próprio] pode ser um caminho no futuro. É preciso lembrar que descriminalizar é diferente de legalizar, de modo que a descriminalização não alteraria em nada a situação do traficante", avalia a vereadora.

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