Hidrovias estão paralisadas por falta de chuva e gestão, diz federação
Último comboio percorreu a Tietê-Paraná há 80 dias; na hidrovia do Madeira, soja não é mais transportada
Já se passaram 80 dias desde que o último comboio percorreu a hidrovia Tietê-Paraná, usada para o escoamento de grande parte dos produtos agropecuários de São Paulo, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Goiás, Minas Gerais, Tocantins e Rondônia. No final de agosto, não só ela, mas também o Rio Paranaíba, um dos formadores do Rio Paraná, ou Paranazão -- que, com 4.880 km, é o segundo maior da América do Sul em extensão --, deixaram completamente de possibilitar o transporte de cargas. Entre os motivos, estão a escassez de chuva, a falta de gestão por parte do poder público e quantidade insuficiente de investimento do Estado.
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Isto é o que explica o presidente da Federação Nacional das Empresas de Navegação Aquaviária (Fenavega) e vice-presidente da Confederação Nacional de Transporte (CNT) para transporte aquaviário de cargas e de passageiros, Raimundo Holanda. Em entrevista ao SBT News, ele pontuou que se o derrocamento do pedral de Nova Avanhandava, em Buritama (SP), tivesse sido concluído, haveria profundidade para continuar navegando pela Tietê-Paraná, mesmo que com uma quantidade menor de cargas.
A obra teve início em 2017. Na época, a previsão era que fossem investidos R$ 181,5 milhões e a retirada das pedras terminasse em agosto de 2019. O governo de São Paulo ficou responsável pela licitação para escolha da empresa para trabalhar no derrocamento, que rescindiu o contrato depois de apenas um quarto realizado. Atualmente, o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT) analisa um novo orçamento enviado pelo Executivo paulista e precisa autorizar a retomada dos trabalhos.
"Eu me lembro a última reunião que eu tive aí com o pessoal do DNIT, assim, 'olha, em junho, julho', de dois anos atrás, início do governo Bolsonaro aí, depois passou agosto, setembro, outubro, novembro, passou para o próximo ano, passou para 2021, nós vamos entrar em 2022 e não vai concluir obra nenhuma. Então, é só promessa", lamenta Raimundo Holanda. Na lei que viabiliza a desestatização da Eletrobras, sancionada em julho deste ano, uma emenda de autoria do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), incluída no texto pelo relator na Casa, Marcos Rogério (DEM-RO), determina que a obra do pedral de Nova Avanhandava seja finalizada até 2024.
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Porém, segundo o presidente da Fenavega, uma atuação despreocupada por parte do setor elétrico em manter os lagos formados pelas barragens hidrelétricas num nível propício para a navegação contribui para a paralisação da atividade na hidrovia Tietê-Paraná e nos demais rios. "O que não existe é uma administração que realmente cuide dessas questões [hídricas], então chove, o setor elétrico produz, o lago não se recompõe e nós ficamos na mesmice. Se você pegar a Tietê-Paraná, por exemplo, ver o lago de Furnas ali, aonde você tinha uma marina, você tem 2 km de praia hoje para chegar onde tem água, então você acha que vai se recompor só no verão? Você levou vários anos para que você formasse o lago de Furnas", afirma Raimundo Holanda.
Ele relembra ainda que em 2001 e em 2014 a Tietê-Paraná também foi paralisada, quando houve escassez de chuva. Na atual crise hídrica, outra hidrovia onde a navegabilidade foi afetada é a do Rio Madeira, a segunda mais importante da região norte do país; ela é usada para escoar a produção de grãos colhidos no Mato Grosso, mas o transporte de soja parou de ser feito devido ao baixo nível de água. No total, mais de 30 milhões de toneladas de cargas deixarão de ser transportadas por rios no Brasil. O prejuízo estimado, considerando as empresas de navegação e a quantia gasta pelos produtores rurais para pagar o frete -- mais caro -- do transporte rodoviário, sem ajuda do governo, é de pelo menos R$ 3,5 bilhões até o fim deste ano.
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Para Raimundo Holanda, não é possível falar que existem hidrovias no Brasil, mas apenas rios navegáveis, por causa da infraestrutura que apresentam. "Se a gente for chamar o Tietê e o Paranazão de hidrovia, serão as únicas hidrovias secas do mundo", argumenta. Além disso, em sua visão, a perda maior provocada pela paralisação do transporte de carga nesses rios é a da credibilidade: "As empresas [do setor aquaviário] não investem porque não sabem como vai ser no futuro".
Não há qualquer expectativa para que a navegabilidade retorne ao patamar normal ainda neste ano. Com a crise hídrica, mais de 300 pessoas perderam o emprego somente no setor, segundo o presidente da Fenavega. Ele acrescenta que parte dos tripulantes desempregados se mudou de estado, visto que "não podem ficar parados, têm que comer". "E o que nós nos preocupamos é se quando tiver água, se tiver esse ano, como é que nós vamos arrumar a tripulação", completa. A situação dos trabalhadores da ferrovia que vai de Pederneiras (SP) a Santos, no litoral paulista, também é incerta: com as embarcações tendo parado de chegar à primeira cidade pela Tietê-Paraná, a operação do trem foi interrompida.
Em nota, o Ministério da Infraestrutura (MInfra) ressaltou que a paralisação da hidrovia não deve ter fim neste ano e que a Paraguai-Paraná, cujo trecho brasileiro tem 1.272 km de extensão - a partir de Cáceres (MT) - também encontram-se paralisada por causa da crise hídrica.
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