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Nº de série ajudou PF a chegar ao "senhor das armas" do CV e PCC no Paraguai

Argentino foragido era "cérebro" de esquema de tráfico da Europa para facções; esquema envolvia raspagem de armas anti-rastreio, doleiros e lavagem nos EUA

Nº de série ajudou PF a chegar ao "senhor das armas" do CV e PCC no Paraguai
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Um descuido dos criminosos na raspagem do número de série do fabricante de uma única arma, em um carregamento apreendido em 2020 pela Polícia Federal (PF), na Bahia, foi o que levou autoridades do Brasil, Paraguai e Estados Unidos a desmontarem, nessa 3ª feira (5.dez), um dos maiores esquemas de tráfico internacional de armas. O armamento, incluindo fuzis, metralhadoras e pistolas de grosso calibre, era importado da Europa, via empresa do Paraguai, e abastecia as duas maiores facções brasileiras, o Comando Vermelho (CV) e o Primeiro Comando da Capital (PCC).

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A Operação Dakovo teve início em 2020, em uma apreensão da Polícia Federal em Vitória da Conquista, região metropolitana de Salvador. A equipe que apagava os registros das armas, antes de elas atravessarem a fronteira Paraguai-Brasil e serem entregues aos membros das duas facções brasileiras, falhou e, no meio do armamento interceptado pelos policiais, identificou-se a origem: um fabricante na Croácia.

Foi também por esse único número de série que a PF e policiais da Senad (a polícia antidrogas do Paraguai) chegaram à International Auto Supply (IAS). A empresa pertence ao argentino Diego Hernan Dirísio, que vive no Paraguai e foi o alvo principal da Operação Dakovo, nessa 3ª. Policiais estiveram na mansão em que vive e em sua empresa, mas ele segue foragido. Chamado de o "senhor das armas" no noticiário, é o cabeça do esquema operado via IAS, que pode ter abastecido com mais de 40 mil armas o crime organizado no Brasil e na América do Sul ao longo dos últimos três anos.

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Diego Diorisio, dono da IAS no Paraguai, está foragido: "senhor das armas" | Reprodução/PF

A PF começa a analisar nesta 4ª feira (6.dez) o material apreendido na Operação Dakovo. Além de Dirisio, considerado o "cérebro" do esquema, atuavam ainda um grupo de "intermediadores", doleiros, operadores financeiros, agentes públicos, vendedores e laranjas. Em três anos de investigações, a PF reuniu dados bancários, conversas de telefone e mensagens entre os vendedores e os líderes das facções, que estavam escondidos nos morros do Rio. 

Números da Operação Dakovo

  • 3 anos de investigações das unidades da Dicor da PF
  • R$ 1,2 bilhão movimentados nos negócios
  • R$ 66 milhões bloqueados em valores e bens dos alvos 
  • 19 presos (6 no Brasil e 13 no Paraguai)
  • 659 armas apreendidas
  • 67 ações de apreensões
  • 10 estados com apreensões (Bahia, Ceará, Espírito Santo, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Paraná, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e São Paulo)

Os intermediadores e os doleiros são peças importantes da apuração. Os primeiros eram os responsáveis pela negociação, venda e operação de introdução do armamento no Brasil e entrega para as facções. Os doleiros movimentavam os pagamentos e recebimentos, bem como transações de lavagem de dinheiro. Os dois são contatos diretos entre o cabeça, dono da IAS, e as lideranças das facções brasileiras.

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Dinheiro e munição apreendidos na Dakovo | Divulgação/PF

A PF acredita que pelo menos R$ 1,2 bilhão foram movimentados nesses três anos. O esquema de lavagem de dinheiro incluía uma empresa de fachada e um operador no Kansas (EUA), para pagar as compras. 

No Paraguai, entre os alvos, estão militares e agentes de estado que teriam envolvimento nos registros fraudados das armas no sistema oficial local. Entre os presos suspeitos de receberem dinheiro e presentes caros, como relógios e jóias, está um ex-comandante da Força Aérea paraguaia, Arturo Javier Gonzales. Outros integrantes são da Direção de Material Bélico (Dimabel), órgão do Paraguai que cuida do Registro Nacional de Armas (Renal).

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Relógios apreendidos na Operação Dakovo; lavagem e corrupção, na mira | Reprodução/PF

Entenda a Operação Dakovo

O esquema

Esquema abastecia as duas maiores facções brasileiras, o PCC e o Comando Vermelho, segundo a PF. Compradas de forma aparentemente legal pela empresa de Diego Dirísio, as armas chegavam no Paraguai com registros fraudados e dinheiro que passava por esquemas de lavagem, e depois tinham os números de série raspados, para serem introduzidas no Brasil via fronteiras e vendidas ao crime organizado.

Descoberta na Bahia

O caso começou a ser apurado em 2020, em Vitória da Conquista (BA), quando a polícia da cidade prendeu em flagrante dois suspeitos com 23 pistolas de origem croata, dois fuzis com indícios de adulteração, munições e carregadores. O Grupo de Investigações Sensíveis da Polícia Federal na Bahia (GISE/SR/PF/BA) foi quem identificou o primeiro fio do novelo, que levou ao megaesquema.

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Armas importadas pela IAS e apreendidas pela PF | Reprodução/Senad

Base no Paraguai

A compradora oficial das armas era a empresa International Auto Supply (IAS), sediada em Assunção, pertencente a Dirisio. Em 2012, ela passou a ser importadora de armas. A empresa fazia as encomendas e compras de pistolas, fuzis e munições de fabricantes na Europa e as importava como legais para venda. Depois, simulava vendas para lojas e laranjas, mas repassava para os "intermediadores".

Rota internacional

As empresas fabricantes, ou as "fornecedoras", eram da Europa, desde que as compras nos Estados Unidos foram proibidas. Num primeiro momento, vinham da Croácia. Depois, passaram a ser adquiridas na Eslovênia, República Tcheca e Turquia. O superintendente da PF na Bahia, Flávio Albergaria, afirmou que depois da apreensão em 2020, o fabricante foi procurado por policiais brasileiros e suspendeu as vendas para a IAS. Foi quando ela passou a comprar dos outros três países.

Registros e corrupção

No Paraguai, por meio de corrupção de agentes do Dimabel, órgão que faz os registros e controles de armas, elas eram autorizadas e recebidas, sendo verificadas pelo órgão de estado. A IAS lançava vendas em nomes de lojas e casas de pesca, algumas inexistentes, e depois as vendia para pessoas que registravam, mas eram laranjas, pessoas sem capacidade financeira. 

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Esquema começou a ser investigado em 2020 | Reprodução

Fronteira e entrada

O armamento então passava por oficinas e tinha a numeração de registro de fábrica raspado (inviabilizando rastreio de origem). Os "intermediadores" cuidavam da venda, passagem pela fronteira do Paraguai com o Brasil e entrega para as duas maiores facções brasileiras, o CV e o PCC. 

Pagamentos e lavagem

O dinheiro para essas operações era movimentado por empresas de fachada e doleiros, no Paraguai, no Brasil e nos Estados Unidos, para dificultar o rastreio e dar aparência de legalidade. Os pagamentos eram sempre fracionados, em valores menores, para não serem identificados pelos órgãos de controle financeiro. 

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Armas apreendidas na IAS, em Assunção, no Paraguai | Divulgação/Senad

40 mil armas

A PF anunciou que o megaesquema do senhor das armas colocou no Brasil 43 mil armas para facções no Brasil. O cálculo considera uma média de 15 mil armas por ano, movimentadas nos três anos de investigações. O número decorre da movimentação verificada da empresa IAS de novembro de 2019 a maio de 2022, um total de 16.669 armas. Foram ao todo: 7,7 mil pistolas da Croácia; 2 mil fuzis da República Tcheca; 5 mil rifles, pistolas e revólveres da Turquia; e 1,2 mil pistolas da Eslovênia. 

PF nas ruas

No Brasil, as medidas foram expedidas pela 2ª Vara Federal de Salvador (BA) e cumpridas nas seguintes cidades: Belo Horizonte (MG), Brasília (DF), Foz do Iguaçu (PR), Praia Grande (SP), Ponta Grossa (PR), Rio de Janeiro (RJ), São Bernardo do Campo (SP), São Paulo (SP) e Sorocaba (SP). Ao todo, a ação envolveu 31 mandados de prisão (25 preventivas e 6 temporárias) e 54 de busca e apreensão no Brasil, nos Estados Unidos e no Paraguai. Em território norte-americano, um doleiro paraguaio que ficava no Kansas era quem gerava os pagamentos pelas compras na Europa.

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PF deflagrou a Operação Dakovo, nessa 3ª feira | Divulgação/PF

Investigação e cooperação

A ação foi conduzida pela PF na Bahia em parceria com o Ministério Público Federal (MPF) e cooperação internacional com a Secretaria Nacional Antidrogas do Paraguai (Senad) e o Ministério Público do Paraguai. Também participaram a Força-Tarefa Internacional de Combate ao Tráfico de Armas e Munições (Ficta), composta pela Homeland Security Investigations (HSI), nos EUA, e a Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp), sob supervisão do Serviço de Repressão ao Tráfico de Armas da PF.

O ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, destacou que, nos próximos dias, as investigações terão desdobramentos. Ele participou de uma apresentação da Operação Dakovo, junto com o comando da PF e autoridades do Paraguai, em uma coletiva de imprensa.

"Nós temos a certeza de que essa é uma fonte importante. O governo do Paraguai concorda e está agindo junto conosco. O resultado é, de fato, o enfraquecimento das organizações criminosas no Brasil. Portanto, no breve futuro, a redução das taxas de criminalidade no nosso país", afirmou Dino.

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