Não se muda a realidade apenas com papel e tinta, diz presidente do STF
Roberto Barroso avalia as conquistas e desafios nos 35 anos da Constituição de 88
Há poucos dias no comando da mais alta Corte do país, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Luís Roberto Barroso, lança um olhar positivo sobre os 35 anos da redemocratização do país e destaca a conquista do mais longo período de estabilidade institucional da história do Brasil como uma das realizações mais importantes proporcionadas pela Constituição de 88.
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"Eu acrescentaria a essas realizações avanços muito expressivos em direitos humanos, em direitos fundamentais de mulheres, conquista da igualdade na sociedade conjugal, conquistas importantes do mercado de trabalho, conquistas importantes em matéria de liberdade sexual, na luta contra a violência doméstica, contra a violência sexual. Lutas inacabadas, mas com vitórias importantes", afirma o presidente do STF.
Estudioso na área de efetivação de direitos, Barroso reconheceu também os avanços na educação e na saúde, inaugurados na carta maior, como os déficits que, ainda hoje, não proporcionam acesso de forma igualitária a todas as brasileiras e brasileiros. E afirmou que, muitos dos direitos, não são desfrutados plenamente.
"E uma coisa importante, não se muda a realidade apenas com papel e tinta, apenas com normas constitucionais. É preciso mobilização da sociedade, é preciso vontade política, é preciso alocação de verbas orçamentárias. Portanto, a democracia social, a democracia plena e com igualdade para todos, ela não se realiza em um estalar de dedos. É um processo histórico que nós estamos vivenciando".
Apesar do cenário de desigualdade no país, Barroso avalia que a Constituição tem cumprido o seu papel e que o mais importante é empurrar a história na direção certa.
"A Constituição brasileira, como as constituições em geral, é uma resposta ao passado e um projeto para o futuro. Portanto, nem tudo o que está previsto na Constituição se realiza imediatamente [...] Eu acho que nós temos andado na direção certa, ainda que não na velocidade desejada".
Crise da democracia?
Indagado sobre uma eventual crise da democracia no Brasil, o presidente do STF avaliou que vários países pelo mundo passam por um certo descrédito da democracia, com momentos de abalo e falta de confiança nas instituições.
"Houve um fenômeno mundial. Um certo populismo autoritário, marcado por uma ascensão de uma extrema direita não democrática que abalou as estruturas da democracia. E esse fenômeno, em alguma medida, atingiu o Brasil".
Na avaliação de Barroso, o ponto alto desse descrédito levou ao extremismo dos atos do 8 de janeiro e a destruição das sedes dos três poderes, em Brasília. Mas a resposta da sociedade demonstrou que a democracia está, de certa forma, imune a uma tentativa de golpe de estado.
"A democracia é o regime político em que o dissenso é absorvido de uma maneira institucional e civilizada. Aquele ataque às instituições daquela maneira incivilizada foi um ponto baixo da vida brasileira, eu diria. Aquele foi um momento dramático, porém, e curiosamente, a reação de todos os segmentos da sociedade liberais, progressistas e conservadores contra aquele tipo de barbárie, no fundo, foi um reforço da democracia. Porque a democracia tem lugar para liberais, para progressistas, para conservadores, mas, evidentemente, não tem lugar para quem pretenda destruir as instituições".
Forças Armadas na política
Roberto Barroso criticou o que chama de politização das Forças Armadas e destacou que entre os princípios fundamentais da democracia está a submissão do poder armado ao poder civil e o distanciamento das Forças Armadas da política.
"Talvez a politização das Forças Armadas tenha sido a pior consequência dos últimos quatro anos que nós vivemos. Uma instituição que havia recuperado largamente o seu prestígio, um dos segmentos mais prestigiados da sociedade e que, no entanto, foi manipulado politicamente", disse Barroso.
O presidente do Supremo afirmou ainda que enquanto esteve no comando do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), entre os anos de 2020 e 2022, apesar de ter convidado as Forças Armadas para o debate sobre a segurança nas eleições, "sofreu" com a participação da caserna em assuntos políticos. "Eu mesmo sofri como presidente do TSE: prestigiei as Forças Armadas, convidei-as a participar para ajudarem na segurança e para dar transparência, e por ordem do comandante-chefe, ficaram levantando desconfianças infundadas. Foi um mau momento e foi uma grande decepção", reconhece Barroso. "Forças Armadas envolvidas em política fazem mal para a democracia e mal para elas próprias. E acho que, neste momento, o rumo certo está sendo retomado. Mas prestígio a gente demora para conquistar e perde rapidamente", conclui.
Ativismo judicial da Suprema Corte
O presidente do STF também rechaça o chamado ativismo judicial atribuído à Suprema Corte e defende que a Constituição brasileira, diferentemente de outros países, vai muito além de tratar somente da organização do Estado, competência dos poderes e definição de direitos fundamentais, e stambém dispõe sobre os sistemas: econômico, previdenciário, de saúde, educação, proteção ambiental, da criança e do adolescente, entre outros. Por isso, Barroso avalia ser necessário diferenciar três práticas distintas: a judicialização, o ativismo e o protagonismo judicial.
"A Constituição brasileira cuida de muitas matérias que em outras partes do mundo são deixadas para a política. E, portanto, essas questões todas acabam sendo judicializadas no Brasil [...] O ativismo é uma atitude proativa, expansiva de um tribunal ao interpretar a Constituição. São raríssimos os casos de ativismo judicial no sentido de criação judicial do direito. O que o Supremo tem, verdadeiramente, é protagonismo no sentido de que quase tudo no Brasil chega ao Supremo [..] de pesquisas com células tronco embrionárias, a importação de pneus passando por interrupção da gestação."
Para Barroso, talvez um dos casos mais emblemáticos da Suprema Corte, no que diz respeito ao ativismo judicial, tenha sido a equiparação das uniões homoafetivas às uniões estáveis entre homem e mulher. "Ali não havia norma e o Supremo disse: vamos equipará-las? e depois o casamento. Ali foi uma decisão, eu diria, criativa mas para satisfazer um direito fundamental, que é o direito à igualdade de não discriminar as pessoas em razão da sua orientação sexual. O que vale a vida são os nossos afetos e as pessoas não devem ser discriminadas por essa razão".
Confira a íntegra da entrevista com o presidente do Supremo, Luís Roberto Barroso: