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Reduzir o poder da Suprema Corte enfraquece a já frágil democracia de Israel

Governo do país enfrenta protestos da população, críticas de aliados e desconfiança do mercado

Reduzir o poder da Suprema Corte enfraquece a já frágil democracia de Israel
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Em meio a intensas manifestações populares, o parlamento de Israel aprovou nessa semana, por 64 votos a zero, um projeto de lei que reduz o poder da Suprema Corte no país. A medida é parte central de uma abrangente reforma judicial proposta pelo atual primeiro-ministro, Benjamin Netanyahu, e sua coalizão -- a mais à direita do país -- e tem sido alvo de críticas por parte da oposição e a maioria da população.

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A regulamentação em questão trata do chamado "princípio de razoabilidade", que era um recurso utilizado pelos tribunais para invalidar decisões do governo, incluindo nomeações e ações do Estado. A Suprema Corte, por exemplo, recorreu a esse mecanismo no passado para determinar o afastamento do então número dois do governo, Aryeh Deri, devido a uma condenação anterior por fraude fiscal.

O fato de Israel não possuir uma constituição federal escrita torna o "princípio da razoabilidade" uma medida de freio e contrapeso do Judiciário, evitando que o governo ou o parlamento ultrapassassem os limites de sua atuação.

Sem esse importante instrumento de supervisão do Legislativo e Executivo, a já frágil democracia de Israel fica ainda mais ameaçada. É o que explica o doutor em Relações Internacionais e professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), Rodrigo Amaral.

"A gente tem que partir do princípio que a democracia, a suposta democracia israelense, ela é frágil, e já não é plenamente inclusiva porque considera somente uma parte dessa sociedade que vive nesse território que chamamos de Israel, Palestina e territórios ocupados", afirma.

"É importante a gente lembrar também que Israel é um país que não tem uma constituição. O Brasil, por exemplo, é um país com uma constituição e ela é basilar para reger os princípios de lei e quaisquer projetos de reforma. Já Israel tem um conjunto de leis básicas, uma estrutura difusa constitucional, e essa estrutura difusa é justamente o que permite esses questionamentos -- seja da oposição ou do status quo -- sobre a validade das decisões judiciárias no país".

Vale ressaltar que o próprio Netanyahu é julgado por acusações de suborno, fraude, quebra de confiança, ou seja, corrupção. Outros membros do seu governo também, o que torna ainda mais suspeito a decisão de aprovar parte de uma reforma que tem causado tanta turbulência na política interna. 

"O sistema judiciário serve como um princípio de neutralidade, os membros são decididos por questões técnicas. Se você tira isso, você torna política essa decisão e isso é muito perigoso, sobretudo em um governo dominado por uma coalizão que é de direita e com membros de extrema-direita, e é por isso que milhares de israelenses estão nas ruas hoje. Eles estão questionando e falando 'olha, isso viola os princípios de justiça social e política' ", reforça o especialista.

Outros projetos

A reforma inclui outros três pontos importantes que ainda devem ser votados. Entre eles, destaca-se a permissão para o Parlamento rejeitar decisões da Suprema Corte com maioria simples (61 votos em um total de 120 deputados); mudanças no comitê responsável pela nomeação de juízes, inclusive os da Suprema Corte, dando ao governo maior influência nas escolhas; e o fim da obrigatoriedade de ministros cumprirem as recomendações dadas por seus assessores jurídicos, como é previsto por lei atualmente.

Em essência, a reforma envolve a questão do poder do governo em relação ao poder dos tribunais para escrutinar e até anular decisões governamentais.

Crise doméstica, econômica e diplomática

Internamente, a reforma já provocou grandes divergências na própria população israelense, culminando em manifestações civis de grande escala, as maiores dos últimos 10 a 15 anos. O mercado também reagiu negativamente, com a cotação do Shekel caindo 10%.

Além disso, a reação do governo dos Estados Unidos, historicamente um aliado de Israel, chama a atenção, pois o presidente Biden começou a falar sobre o assunto publicamente, o que é incomum considerando a tradicional política externa norte-americana pró-Israel.

Biden classificou o acontecimento como "infeliz", enquanto a União Europeia afirmou estar acompanhando o que acontece em Israel de perto e com preocupação.

Ambos temem que a reforma judicial, em meio à resistência popular em massa, possa minar valores compartilhados com o país. Algo parecido com o que aconteceu com a Polônia e Hungria, que aprovaram reformas controversas, e sofreram sanções da UE por violarem o Estado de direito e a separação de poderes.

Palestina

Além das preocupações com a reforma judicial em Israel, a situação na Cisjordânia ocupada também contribui para um cenário de violência crescente na região. Atualmente, a área vive um período marcado por repetidas incursões israelenses, que não mostram sinais de diminuir.

No início deste mês, um ataque israelense no campo de refugiados de Jenin resultou na morte de doze palestinos, incluindo três crianças, além de um soldado israelense. Somente neste ano, o número de palestinos mortos nos territórios ocupados, incluindo Jerusalém Oriental e Gaza, já ultrapassou 200, e a maioria das mortes foi registrada na Cisjordânia ocupada. Essa escalada de violência e mortes deve aumentar com a reforma do judiciário, como explica Amaral.

"A violência contra palestinos em Israel, no território ocupado, melhor dizendo, é uma constante na história daquela região desde 1949, de que maneira a reforma impacta os palestinos? Os críticos da reforma temem que os poucos direitos que é essa minoria tem serão ainda mais impactado. Vale lembrar que ano passado teve um processo de grande violência civil no bairro de Sheikh Jarrah, que fica em Jerusalém Oriental. Foi justamente por conta dos padrões de razoabilidade que foi considerado que, de fato, muitos daquelas casas e terrenos eram de palestinos e que, portanto, deveriam ser interrompidos os processos de reivindicação judaica da propriedade de terra", conclui.

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