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Que Brasil é esse que desrespeita o luto dos britânicos?

Imagens de brasileiros intimidando um cidadão britânico que pedia respeito no funeral da rainha rodam o mundo

Que Brasil é esse que desrespeita o luto dos britânicos?
brasileiro agindo com hostilidade contra um cidadão britânico
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As cenas do grupo de brasileiros intimidando um cidadão britânico que pedia respeito ao dia de luto no Reino Unido ajudam a explicar um pouco o que é o Brasil por aqui. Estima-se que há mais de 200 mil brasileiros no Reino Unido. É uma conta dificílima porque parte apenas está aqui oficialmente nesta condição. Há milhares que, do ponto de vista legal, vivem aqui como portugueses, italianos, espanhóis e outras nacionalidades, inclusive a britânica. Há ainda uma parcela considerável que vive sem aprovação do governo britânico. Aqui, são chamados de ilegais.

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Todos estavam representados no grupo de cerca de 200 apoiadores que, no último domingo, foram receber o presidente em frente à residência oficial do embaixador brasileiro. O incidente com o cidadão britânico foi na 2ªfeira (19.set), no momento em que as celebrações do funeral de Elizabeth II aconteciam a menos de 2 quilômetros de onde estavam.
Um homem britânico foi hostilizado por brasileiros apoiadores do presidente Jair Bolsonaro (PL) nesta 2ª feira (19.set), data do funeral da Rainha Elizabeth II, em Londres, na Inglaterra.

Mas no dia anterior, já tinham acontecido ataques verbais e intimidação a jornalistas. O pior deles foi contra Laís Alegretti e Giovani Bello, da BBC Brasil. "Lixo" era a palavra mais usada.  

Uma boa parte do Brasil que vive no Reino Unido nunca deixou o Brasil. Tem uma parte que não fala inglês e outra que não fala o suficiente pra se integrar. Este grupo considerável vive entre brasileiros, não dispensa o arroz com feijão, consome novelas, futebol e lota shows de artistas brasileiros que se apresentam no Reino Unido. Acha-se quase de tudo do Brasil e de brasileiro se você estiver no grupo certo de WhatsApp.

Tem grupos para todos os interesses e objetivos: pra arrumar emprego de "cleaner" (faxineiro), pra avisar sobre a presença de fiscais da imigração em algum ponto da cidade, os grupos que são compostos majoritariamente por motoboys, outros com assuntos gerais onde se vende de tudo, desde marmitas, contas em aplicativos de entrega a passaportes e documentos europeus "fakes, mas 100% originais", além, claro, daqueles dedicados a causas políticas. Esta coluna acompanha alguns deles há alguns meses.

Há uma visão extremamente romantizada sobre morar na "Terra da Rainha", esse chavão ao qual poucos resistem. Boa parte dos brasileiros que vivem aqui submete-se a longas jornadas de trabalho e condições difíceis de moradia. Manda-se dinheiro pra casa em troca de muito sacrifício.

Não são poucos os que vivem em quartos alugados, frequentemente divididos com outras pessoas. "Roommate" (colega de quarto) é palavra quase abrasileirada. Em comum, essa comunidade tem uma grande vulnerabilidade que alguns poucos souberam explorar: o senso de pertencimento.

Em qualquer lugar do mundo, as redes sociais tem uma participação inegável na maneira como as pessoas se relacionam. No Brasil do Reino Unido, elas são ainda mais essenciais. É onde se acha emprego, onde se evita o constrangimento de uma deportação e, acima de tudo, onde se propagandeia uma vida feliz e vitoriosa na "Terra da Rainha" aos que navegam no mundo encantado dos views e likes. Há os que seguem, os que tentam ser seguidos e os que são efetivamente seguidos.

A fonte das agressões sofridas por jornalistas e pelo cidadão britânico no centro de Londres está neste terceiro grupo. Com o celular ou uma câmera na mão, ou ambos, eles gravavam e transmitiam cada agressão, gritavam pra incitar não apenas quem assistia, mas também quem estava perto. Não era suficiente agredir. Era preciso propagar aquele ato.

Os "efetivamente seguidos" entenderam que do prestígio vem a influência e uma espécie de pseudo-autoridade de quem entendeu que muitas daquelas pessoas não ousariam discordar de seus métodos, sob o risco de não pertencerem mais.

O processo de radicalização está intimamente ligado à necessidade de pertencimento que, não raramente, leva à crença cega e à ausência completa de questionamentos. O Brasil ao qual muitas daquelas pessoas que gritavam contra a imprensa tem acesso não é o das colunas eloquentes dos grandes jornais brasileiros. O Brasil em que elas vivem e que elas consomem chega, em grande parte, pelo WhatsApp.

As cenas lamentáveis presenciadas em frente a uma residência oficial do governo brasileiro em um dos dias mais importantes da história do Reino Unido nascem ali naquela rede de mensagens. Em alguns momentos, as agressões foram coletivas, mas não foram unânimes. Há vítimas entre aqueles que gritavam "lixo" para a imprensa e "fake news" para o cidadão britânico, com razão, revoltado com a gritaria. Trata-se de um movimento político radicalizado, mas não de uma massa compacta.

Ali estão motoboys que te levam comida quentinha quando tá nevando lá fora, faxineiras que às vezes limpam 5 casas por dia, os pedreiros que ajudam a erguer esse país, os que vivem de vender produtos brasileiros pra toda essa turma e os que trabalham em outros setores. Ninguém tem vida fácil. Há uma minoria, claro, que é financeiramente mais privilegiada e não precisa se submeter a tanto sacrifício pra viver o sonho britânico.  

O Brasil daqui é tão complexo quanto o Brasil daí. E como aí, há, por aqui em terras britânicas, aqueles que ganham com a radicalização. Identificá-los e puní-los com a civilidade que lhes falta é imperativo pra que esse Brasil raivoso que grita em dia de luto nacional e esbraveja contra um cidadão que pede respeito por sua Rainha não tenha mais destaque no Reino Unido. O Brasil daqui é muito melhor e mais bonito que isso. 

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