Justiça

Análise: Alexandre de Moraes concentra poderes e atrai ódio de bolsonaristas

Especialistas ouvidos pelo SBT News explicam como o ministro se tornou figura antagônica a Jair Bolsonaro

Poucas horas depois dos atos golpistas de 8 de janeiro, em Brasília, a primeira decisão que daria início ao processo de tentativa de volta à normalidade partiu do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) e presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Alexandre de Moraes. Essa não é a primeira vez que o magistrado precisa tomar a frente em meio ao caos.

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As decisões do ministro despertam a aversão dos apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro, que veem nele uma figura antagônica ao bolsonarismo. Trata-se de um processo que começou antes mesmo da instabilidade democrática se intensificar. 

Em 2019, o então presidente do STF, ministro José Antônio Dias Toffoli, designou Alexandre de Moraes como relator das investigações sobre "a existência de notícias falsas, denunciações caluniosas, ameaças e roubos de publicação sem os devidos direitos autorais". De acordo com esse chamado inquérito das fake news, essas infrações podem configurar calúnia, difamação e injúria contra os membros da Suprema Corte e seus familiares.

Concentração de funções
A partir disso, novas investigações sobre temas similares passaram para a relatoria de Moraes. "Outras ações concentraram-se no ministro por duas razões: por existir esse inquérito aberto em defesa das instituições democráticas, e porque há uma concentração de funções nas mãos do relator",  explica Floriano de Azevedo Marques Neto, professor de direito administrativo da Universidade de São Paulo (USP).

Segundo o professor, em um processo judicial normal, há etapas burocráticas no inquérito para serem seguidas por juízes, promotores e delegados. No caso que está nas mãos de Moraes, no entanto, há uma excepcionalidade na qual o próprio ministro vence algumas dessas etapas e assume funções que não seriam, originalmente, dele.

"Muitas dessas decisões são ratificadas pelo plenário do Supremo, quando não por unanimidade, por maioria", ressalta Floriano. Dessa forma, apesar de o ministro ganhar destaque por proferir as decisões, estas são analisadas e aprovadas pelos outros ministros da Corte.

Moraes x Bolsonaro
"A direita bolsonarista ataca o STF e seus ministros desde o início do governo Bolsonaro e até mesmo antes. Então, isso não começou com o ministro Alexandre de Moraes, mas ele se tornou um alvo específico desde que se tornou relator do Inquérito 4.781, sobre fake news", explica Caio Barbosa, doutor em ciência política pela Universidade de São Paulo (USP).

A reação dos bolsonaristas começoua ganhar vulto quando o magistrado ordenou que uma matéria da revista Crusoé fosse retirada do ar, em 2019. Depois, lembra Barbosa, ele abriu inquérito sobre as "milícias digitais", que levou à prisão do ex-presidente do PTB, Roberto Jefferson, em agosto de 2021, então aliado de Bolsonaro.

Uma semana depois, o Planalto protocolou o pedido de impeachment de Moraes, sendo a primeira vez, após a ditadura militar, que um presidente pedia a queda de um membro do STF. "Muito do que foi feito não foi por iniciativa aleatória do ministro, mas aconteceu porque ele conduz os dois inquéritos que atingem em cheio os bolsonaristas", explica Barbosa.

"Além disso, Moraes se tornou presidente do TSE, tendo o trabalho de supervisionar as eleições. Nessas funções, ele não se intimidou com os ataques e ameaças e agiu de modo firme e decisivo", lembra o cientista político.

No entanto, completa, é importante ressaltar que, quando levadas ao plenário do STF, as decisões têm sido referendadas pelos outros ministros, encontrando respaldo da Corte. "Então, ele não está fazendo tudo sozinho", analisa.

Instabilidade
Para o professor Floriano de Azevedo, no cenário de crise institucional, há dois pontos a serem analisados: se o funcionamento sistêmico do Supremo está compatível com as competências da Corte; e quais seriam os "limites" da normalidade exigíveis do Judiciário diante de um momento de anormalidade. 

"O Supremo foi levado para uma armadilha que tem custos históricos muito grandes. Ele foi empurrado por vários processos e por várias circunstâncias em que foi obrigado a passar agir como ator político, não partidário ou eleitoral", diz o docente. 

"Isso vai desde a questão do orçamento secreto, passa pela questão da situação prisional e pela interferência direta na briga política eleitoral que se travou no país", acredita. "O segundo problema é exatamente saber até onde se pode adotar instrumentos excepcionalíssimos, como esse do inquérito, diante de uma situação de excepcionalidade grave pela qual passamos e que teve o ápice no 8 de janeiro."

Por sua vez, o professor Caio Barbosa lembra que se costuma dizer que em um país em estabilidade institucional, a população não sabe os nomes dos ministros. Segundo ele, o STF ganha protagonismo por dois motivos: omissão do Poder Legislativo em temas importantes ou, no caso recente, para conter os excessos do Executivo.

"Nesse sentido, esse conflito aberto entre o presidente da República e o STF que ocorreu no governo Bolsonaro não tem precedentes, e representou uma grave ameaça à democracia brasileira", arremata.

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