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Sem existir, empresa levou 3 leilões da Aneel e faturou R$ 150 mi

Investigação da PF detalha golpe em negócio de energia solar, que bancou vida de luxo de piloto e contador

Sem existir, empresa levou 3 leilões da Aneel e faturou R$ 150 mi
Paineis energia solar
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As investigações da Polícia Federal (PF) sobre esquema de fraudes nos leilões da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), para usinas de energia solar fotovoltaica, mostram que o piloto e empresário Rodolfo Portilho Toni e seu contador Aedi Cordeiro dos Santos transformaram empresas que "só existiam no papel", numa das maiores vencedoras dos primeiros leilões para o setor. O negócio de venda futura de energia solar fotovoltaica teve início em 2014, no governo Dilma Rousseff (PT).  

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Um esquema que envolveria empresas e pessoas "fantasmas", negócios e bens em nome de laranjas e testas de ferro, falsificação de documentos, de balanços fiscais e contábeis, lavagem de dinheiro e fraudes em licitação, segundo as investigações da PF, da Receita Federal e do Ministério Público Federal (MPF). De 2015 a 2021, os investigados são acusados de levantarem pelo menos R$ 150 milhões, por meio dos crimes. Dinheiro que bancava a vida de luxo e ostentação, que os alvos gostavam de exibir nas redes sociais e nas aparições públicas.

O SBT News teve acesso a documentos das investigações, que resultaram na deflagração, no último dia 30, da Operação Skotos. Os autos, ainda sob sigilo, na 1ª Vara Federal de Campinas (SP), detalham como o grupo - que já era alvo de investigações por fraudes em bancos - entrou no setor de energia, com ajuda de parceiros e venceu três leilões da Aneel (em 2015, 2017 e 2018), para implantar usinas no Tocantins, Bahia e Ceará.  

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Mensagens trocadas entre os investigados revelam a "audácia do projeto criminoso", segundo a PF. "Quantas pessoas que você conhece que saiu de um negócio e em dois anos fez 80 milhões? Num ativo com zero funcionário (...) Era papel! Ganhou o leilão."

O  negócio de R$ 80 milhões citado na conversa é referente ao leilão 09/2015 da Aneel, que a Steelcons Empreiteira Construção Civil Ltda - atual New Energies - venceu. Ela apresentou na disputa um projeto de instalação de quatro parques da Usina Solar Fotovoltaica Miracema, em Tocantins. Apesar de os donos no papel serem outros, quem se apresentava em nome das empresas em reuniões com autoridades locais era Toni. 

Depois de vencer o leilão, a Steelcons (New Energies) vendeu o projeto e sua outorga para a Atlas Energia Renovável do Brasil S.A. por R$ 80 milhões. Segundo apurou o SBT News, o negócio deu know how ao grupo e visibilidade para disputar outros leilões. No segundo leilão, 04/2017, o grupo conseguiu outorga para instalação de quatro parques da Usina Solar do Sertão, em Barreiras, na Bahia. Negócio vendido também para a Atlas. 

Em 2018, o grupo venceu mais um leilão. Levou outorga para instalação do complexo Alex, no Ceará. O negócio foi vendido para a gigante canadense Brokfield, em seu primeiro projeto no setor de energia solar fotovoltaica no Brasil. O complexo solar Alex - com 14 parques instalados - foi inaugurado em 2021, fica nos municípios de Limoeiro do Norte e Tabuleiro do Norte. O Cade aprovou a venda das usinas em janeiro de 2020, para a Brookfield Energias Renováveis, atual Elera Renováveis.  

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Site da Newen: seis projetos ao todo | Reprodução

O site da Newen registra seis projetos de energia solar. Na apuração, são alvos três deles. Os projetos, as empresas e seus balanços e certidões, lastros apresentados, só existiam no papel, segundo as apurações da PF. Assim como os donos oficiais registrados eram testas de ferro. Tudo criado no papel para disputar leilões da Aneel. A venda das outorgas das chamadas empresas desenvolvedoras dos projetos de parques não é incomum.   

A Aneel informou, via assessoria de imprensa, que colaborou com as investigações e que "solicitou recentemente o compartilhamento de provas". O material "está em análise interna na Aneel para se prevenir de eventuais fraudes e realizar aprimoramentos caso sejam necessários".

A agência reguladora informou ainda que "conduz os leilões de energia de forma pública e transparente". "Os Editais passam pelo processo de Consulta Pública e estão em constante aperfeiçoamento para assegurar segurança jurídica, maior competição e a participação de agentes que tenham condições financeiras e operacionais de implementar os projetos licitados." 

Cabeças

Os negócios de Rodolfo Toni entraram no radar das autoridades, depois de indícios de fraudes em um financiamento na Caixa Econômica Federal (CEF) por uma metalúrgica de Sumaré (SP) serem detectados. O alerta da Delegacia da Receita Federal em Campinas apontava problemas nas empresas Portilho e Silva Ltda., Lionfer Indústria e Metalúrgica Ltda., Lionfer Comercial Siderúrgica Ltda. e Watio Indústria e Comércio Ltda.

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Porsche de Rodolfo Toni: Newen patrocinadora | Reprodução

Toni e Cordeiro foram presos em maio de 2021, alvos da primeira fase da Operação Black Flag, pelos empréstimos fraudulentos na Caixa, no Bradesco e no banco de fomento do governo de São Paulo, Desenvolve SP. A Lionfer foi quem obteve financiamento fraudulento de R$ 70 milhões da agência paulista, com duplicatas frias de garantia. O esquema consistia em criar pessoas falsas, com documentos criados, e depois empresas falas em nomes desses "fantasmas" e levantar dinheiro nos bancos para compra de maquinários. 

"Para a consecução das fraudes e a viabilização da atividade criminosa, Rodolfo Portilho Toni criou uma verdadeira família de pessoas físicas falsas, utilizando-se de nomes parecidos com os de seus próprios familiares e criação de uma identidade até então inexistente." Toni é apontado como pessoa que "dita as ordens e o funcionamento da Organização Criminosa". Ao lado de Aedi, "Toni é um dos líderes"  e tem "atuação direta em todos os delitos", segundo registra o MPF. 

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Aedi Cordeiro - o contador - tem "papel de destaque na organização criminosa", segundo o documento. "Aedi possui papel fundamental na parte contábil, financeira e fiscal do esquema criminoso articulado para o êxito nos leilões perante a Aneel."  

Dono de um conhecido escritório de contabilidade em Campinas - o JJA Assessoria Contábil -, a PF sustenta que, com a ajuda de uma sócia e funcionários, ele faz a "criação de empresas de prateleira, adulteração de seus balanços contábeis e fiscais e transmissão de informações falsas ao Fisco". "Tudo com o fim de praticar inúmeras infrações penais, especialmente fraude em procedimento licitatório perante a Aneel e lavagem de ativos." 

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Aedi foi também o criador das quatro empresas New Energies: a New Energies Comercializadora de Energia, a New Energies Investimentos e Participações, a New Energies Soluções em Energia e a Newen Holding Ltda. Todas em nome de Aloisio Bannwart. A PF e o MPF apontam que ele é um testa de ferro, que recebia mensalmente R$ 7 mil pelo empréstimo do nome. 

Em dezembro de 2021, o juiz Ricardo Uberto Rodrigues, da 1ª Vara Federal em Campinas, tornou 10 dos acusados em réus, pelos crimes cometidos contra os bancos. Por decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), os alvos foram liberados ainda no ano passado.

O grupo levantou no esquema R$ 110 milhões, entre 2010 e 2015 nesse esquema. Para a PF, o valor levantado nos bancos capitalizou o grupo, que buscou blindar o patrimônio ilícito com a compra de bens e em novos negócios.

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Na nova frente de apuração de crimes em leilões da Aneel, a PF e o MPF investigam a continuidade delitiva dos principais acusados na primeira fase, em associação com pessoas de outros estados, que atuaram nos projetos. No processo, os investigadores reuniram provas como os dados dos sigilos bancários, troca de e-mails, mensagens, laudos periciais, documentação apreendida e fornecida pela Aneel, entre outras. O material servirá de base para a denúncia criminal do MPF, contra os alvos.

"Com a análise do material apreendido nas fases anteriores, foi possível verificar que os investigados permaneceram atuando à margem da lei ao longo dos últimos dez anos, até 2021, agora junto a outros autores, para a prática de crimes de falsificação de documentos, utilização de documento falso, fraude em procedimento licitatório perante a Aneel, lavagem de ativos e associação criminosa", registra a PF.

Os parceiros locais garantiam a área para instalação dos parques, as aprovações ambientais e administrativas estaduais e municipais. Os empresários, parceiros e técnicos que ajudaram a Newen a montar os projetos, no Tocantins, Bahia e Ceará, para vencer os leilões, foram alvos de buscas no dia 30. A PF e o MPF apontam associação criminosa. No pedido de buscas da Operação Skotos foram indicados os valores que cada um recebeu na parceria, com base nas quebras de sigilo. Além das licenças e dos projetos para o esquema, teria sido pago também uma auditoria dirigida para a fraude.

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Ferrari apreendida em 2021: primeira fase | Divulgação/PF

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Nas redes sociais, nas entrevistas para a TV, Rodolfo Portilho Toni era um empresário de sucesso, piloto da fórmula Porsche, que ostentava vida de luxo, como mansão em Campinas, lancha na praia e uma coleção de jóias e carros superpotentes na garagem de fazer inveja. A maior parte dos bens, alguns em nome também de uma empresa em nome de terceiro, a Rental Toti, foi confiscada em maio de 2021, na primeira fase das apurações. 

Segundo a Polícia Federal e o Ministério Público Federal, tudo bancado com dinheiro dos golpes financeiros praticados nos últimos dez anos - tanto contra bancos, como no setor de energia. "As condutas evidenciadas nos autos são gravíssimas. Revelam a articulação de sofisticado esquema de criação e montagem de pessoas jurídicas e físicas fictícias, tudo com o objetivo de garantir aos acusados o proveito do dinheiro público obtido de forma fraudulenta, revelando, sem maior pudor, faustoso padrão de vida, custeado com dinheiro público", registra o MPF.

Para lavar o dinheiro, os envolvidos usavam empresas e contratos de fachada para saques, uma empresa offshore no Panamá. Rodolfo Toni bancava também sua vida de piloto da Porsche Cup Brasil, patrocinando sua equipe com a Newen.

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Com os alvos, foram apreendidos, nas duas fases da operação (em 2021 e 2022): 20 carros de luxo (modelos, como Porsches, Ferrari, BMW, Mercedes-Benz e Land Rover, uma lancha avaliada em mais de R$ 10 milhões, que estava atracada em Paraty (RJ), pelo menos R$ 1 milhão em dinheiro vivo, 302 jóias, 97 relógios, 76 bolsas, 147 garrafas de vinho, 2 quadros, 27 celulares, documentos e uma caixa de RGs falsos que eram usados para abrir as empresas fictícias.

O delegado da PF André Ribeiro, foi procurado, mas informou por meio de assessoria de imprensa que não pode comentar casos em sigilo. Responsável pelo inquérito, ele afirmou em 2021, em entrevista coletiva à imprensa, que as empresas ligadas a Toni e Cordeiro movimentaram cerca de R$ 2,5 bilhões em um período de 10 anos. O procurador da República Ricardo Perin Nardi, que denunciou os alvos e que trabalha na nova denúncia, informou também, por meio de assessoria de imprensa, que não pode comentar o caso.

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A Newen entrou em recuperação judicial, em 2021, após a deflagração da primeira fase da Operação Black Flag da PF. No processo, os efeitos da operação policial foram apontados como as "razões da crise". No comunicado, a empresa cita as investigações da primeira fase da Operação Black Flag, do ano passado, que tinha como alvo os empréstimos fraudulentos em bancos, e informa que a Newen foi mencionada, mas não estava sob investigação.    

"A esse respeito, vale destacar que a Operação (Black Flag) não teve origem nas atividades do Grupo Newen, sendo certo que as investigações conduzidas internamente atestaram o cumprimento dos mais elevados padrões de compliance." O endereço indicado como sede da empresa em São Paulo foi alvo de buscas da PF. A empresa está entre as pessoas jurídicas com as contas bloqueadas, alvos das operações - que têm Rodolfo Toni, como alvo central.

A defesa de Rodolfo Toni foi procurada, mas afirmou que não ia se manifestar, pois o processo segue em segredo de Justiça. O advogado Celso Vilardi já apresentou defesa do piloto nos processos de 2021, sobre os empréstimos em bancos. Na Justiça, nos processos abertos desde 2021, ele nega os crimes e irregularidades.

A Alera informou, por meio de nota, que "o Complexo Solar Fotovoltaico Alex opera de maneira regular desde 2021" e que o empreendimento "não está envolvido na investigação". A empresa divulgou ainda que "desconhece detalhes sobre o processo em questão". Nenhum representante da Atlas foi localizado pela reportagem. O espaço está aberto para manifestações. O advogado de Aedi Cordeiro, Danilo Bastos, também apresentou defesa nos processos em que o cliente é réu. No caso recente, ele não se manifestou.

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