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Ucrânia: emissões e resíduos lideram impactos da guerra no meio ambiente

Segurança da usina nuclear de Zaporizhzhia também é preocupação internacional

Ucrânia: emissões e resíduos lideram impactos da guerra no meio ambiente
Explosões e artilharia criam uma grande quantidade de compostos químicos e cargas de orgânicos tóxicos | Reprodução/Telegram Zelensky
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A invasão da Rússia na Ucrânia, em 24 de fevereiro de 2022, é considerada um dos maiores conflitos militares na Europa desde a Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Além dos efeitos catastróficos na vida da população e no desencadeamento de uma nova crise econômica depois da pandemia de Covid-19, a guerra está impactando um dos principais e mais atingidos segmentos dos últimos anos: o meio ambiente. 

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Especialistas ouvidos pelo SBT News apontam que o impacto ambiental da guerra acontece antes mesmo do início do conflito. Isso porque, para sustentar as forças militares, é necessário consumir uma grande quantidade de recursos, como metais e hidrocarbonetos, que auxiliam na poluição. Outro ponto é o maior uso de energia para abastecer as infraestruturas, aumentando, muitas vezes, a queima de combustíveis fósseis.

"O simples fato de mantermos todo um aparato militar já traz impactos significativos sobre a flora e a fauna. Isso vai desde a mineração, para a produção dos equipamentos, até a emissão de gases de efeito estufa devido à utilização dessas armas. Ainda temos os treinamentos, que colaboram para a junção de resíduos", explica Alexandre Costa, cientista do clima e professor da Universidade Estadual do Ceará (UECE).

Tais resíduos acabam gerando, ainda, a contaminação do solo e dos recursos hídricos. Em dezembro do ano passado, o presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, informou que minas e outros artefatos não detonados russos ocupavam 194 mil km² do país, colocando em risco a vida de milhares de pessoas e animais. O mesmo foi dito sobre a costa marinha, que, segundo ele, está "infestada de minas flutuantes". 

Um estudo publicado pelo Observatório de Conflitos e Meio Ambiente, por exemplo, aponta que, em um ano de conflito, tanto o Mar Negro quanto o Mar de Azov já sofreram décadas de degração ambiental. O cenário foi agravado, sobretudo, devido ao avanço das tropas russas nas áreas costeiras, como Mariupol e parte de Donetsk, que resultou no acúmulo de poluição química e em danos físicos ao habitat marinho.

É importante ressaltar, contudo, que a guerra na Ucrânia começou em 2014, com a anexação da Crimeia pela Rússia. Desde então, muitas áreas no leste do país foram atingidas pelas ações russas, que incluíram até um ataque em uma mineradora de carvão. Com a nova ofensiva, muitas instalações industriais também foram danificadas ou destruídas, o que aumentou ainda mais a poluição no território ucraniano.

"Explosões e artilharia criam uma grande quantidade de compostos químicos e cargas de orgânicos tóxicos. Após a explosão, esses compostos são oxidados e os produtos da reação são liberados na atmosfera. Os principais - dióxido de carbono - não são tóxicos e são perigosos apenas para as mudanças climáticas. Por outro lado, os óxidos de enxofre e nitrogênio podem causar chuvas ácidas alterando o pH dos solos", explica Yevheniia Zasiadko, Chefe do Departamento de Clima da Organização Ecoaction.

Ela acrescenta que o descarte de metais pesados e produtos químicos no meio ambiente também tem um enorme impacto na poluição. Um exemplo é o ferro misturado com aço - comum para caixas de munição -, que contém enxofre e cobre. Quando em contato com o solo, as substâncias podem contaminar as águas subterrâneas e, eventualmente, penetrar nas cadeias alimentares, afetando humanos e animais.

A abordagem russa de bombardeios, que muitas vezes utiliza armas proibidas pela Organização das Nações Unidas (ONU), impacta ainda na biodiversidade ucraniana, uma vez que os ataques causam incêndios de grandes proporções. Além disso, ambientalistas denunciam que as forças estão construindo bunkers e movimentando equipamentos militares pela paisagem, o mesmo tipo de dano que foi visto na Segunda Guerra Mundial.

Naquela época, no entanto, a linha de frente se movia constantemente, o que significava menos danos concentrados. Hoje, o conflito na Ucrânia está em uma paralisação geográfica, principalmente no leste do país, com grandes áreas marcadas por crateras. Nas áreas ocupadas, onde as batalhas são mais intensas, a agricultura parou e muitos campos foram abandonados pelos moradores, que tentam ficar fora da linha de fogo.

Kateryna Polyanska, cientista ambiental e integrante do Grupo de Trabalho de Consequências Ambientais da Guerra da Ucrânia, relata os impactos em parques nacionais e áreas antigamente preservadas no país. Fora as copas quebradas e cascas danificadas, algumas árvores ainda concentram munições não detonadas nos caules.

"Essa poluição representa uma ameaça para os seres humanos e animais. Há assentamentos completamente destruídos perto de alguns parques, em que nem um único habitante permanece, nem uma casa intacta. Algumas aldeias são habitadas apenas por cães e gatos selvagens", conta Kateryna. "A maioria das árvores irão cair, porque não há como restaurá-las. O trabalho de desminagem exigirá muitos anos", completa. 

Assentamento destruído perto do Parque Natural Nacional Holosiivskyi | Reprodução/Kateryna Polyanska

Com todos os esforços concentrados na segurança e em como parar a ofensiva russa, os especialistas temem pela recuperação ambiental da Ucrânia. Isso porque, segundo Yevheniia, dependendo do estrago, pode levar séculos até que os territórios sejam limpos de maneira natural. Já no caso dos campos agrícolas, muitas análises laboratoriais terão que ser feitas para verificar a segurança do solo para a volta do plantio.

"Há informações que na França ainda existem alguns territórios que são protegidos desde a Segunda Guerra Mundial devido à poluição e mineração. Infelizmente é difícil entender o que está acontecendo nos territórios que foram libertados ou ainda estão sob ocupação russa. Para os territórios libertados, que ainda estão fortemente minados, simplesmente não temos capacidade de fazer a análise em todos os lugares", explica a ecologista.

Preocupação internacional com usina nuclear de Zaporizhzhia

Apesar da Ucrânia ter quatro usinas nucleares, a infraestrutura de Zaporizhzhia, considerada a maior da Europa, lidera o ranking de preocupação. O local, hoje ocupado por tropas russas, já foi quase atingido diversas vezes, arriscando a danificação dos reatores e, consequentemente, o vazamento de substâncias químicas - o mesmo ocorrido na usina de Chernobyl, em 1986, também localizada no território ucraniano.

Em meio ao cenário, a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) instalou uma equipe de segurança para monitorar a radioatividade do local. No início de fevereiro, o diretor-geral da entidade, Rafael Grossi, disse que continua o diálogo com Moscou para implementar uma zona de proteção de segurança ao entorno da usina. Ele ressaltou, no entanto, que embora algum progresso tenha sido feito, as discussões são lentas.

A situação é preocupante, porque as equipes de monitoramento já reportaram o estresse contínuo dos poucos funcionários que restaram na usina nuclear de Zaporizhzhia, o que pode ocasionar erro humano nas operações. Outro ponto citado por Grossi é a constante interrupção no fornecimento de energia à usina, consequência dos bombardeios russos em massa que atingem infraestruturas energéticas por toda a Ucrânia. 

"É um aspecto terrível. Nós temos um risco de vazamento de material radioativo, com todos os impactos da saúde humana e ambiental. E um país que tem forte dependência da geração nuclear, como a Ucrânia, múltipla esse risco", frisa o cientista do clima Alexandre Costa. 

Estima-se que, caso ocorra um desastre nuclear na usina de Zaporizhzhia, o impacto da radioatividade atingiria primeiramente a Ucrânia, podendo se alastrar por toda a Europa. Já no caso de liberações muito grandes na atmosfera, a dispersão da radioatividade pode cobrir centenas, senão milhares de quilômetros quadrados, resultando em contaminações radioativas para além do continente europeu.

"Devido à sua localização no sul da Ucrânia e próximo ao Mar Negro e aos padrões climáticos predominantes, existe o potencial da contaminação também atingir o norte da África e o Oriente Médio. Assim como no desastre de Fukushima em 2011 e no desastre de Chornobyl em 1986, a contaminação radioativa foi detectada em todo o hemisfério norte", analisa Shaun Burnie, porta-voz da campanha Climática e Nuclear do Greenpeace Internacional.

Avanço da energia verde na Europa

Apesar dos inúmeros danos ao meio ambiente, podemos dizer que a invasão russa na Ucrânia alavancou um ponto importante para o meio ambiente: a energia verde. Bem no início da guerra, em março, os Estados Unidos e a União Europeia anunciaram uma parceria para reduzir a dependência sobre a energia russa. Hoje, o bloco europeu conta com um teto de gastos tanto para as importações de gás como de petróleo russo.

A mudança foi necessária, já que as nações europeias tentam sufocar a economia de Moscou com a imposição de sanções para conter a guerra. O caminho ainda é longo, mas já está avançado com a ajuda do uso do gás natural, que emite menos gás carbônico (CO2). Na Alemanha, por exemplo, o governo intensifica o processo investindo pesadamente através de leilões específicos de hidrogênio verde. 

"O benefício imediato é mitigar as mudanças climáticas evitando que a temperatura ao final deste século chegue a ter um aumento de 4ºC em relação ao período pré-industrial. Não dá mais para evitar o aumento da temperatura, mas é possível limitar a 1,5ºC ou 2ºC, por exemplo", explica José Marangon, secretário de Pesquisa e Desenvolvimento do Instituto Nacional de Energia Limpa (Inel).

Ele acrescenta que, em um cenário pós-guerra, o ideal seria reconstruir a Ucrânia já pensando em uma maior eficiência energética, uma vez que o país é composto por muitas cidades com indústrias pesadas. "Como a Ucrânia é um fornecedor de alimentos para a Europa, seria interessante investir já em hidrogênio verde para produção de amônia verde, que é um item vital para os fertilizantes", pontua Marangon.

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