Mercado financeiro reage mal a discurso de Lula sobre gastos sociais
Bolsa brasileira caiu 3%; dólar em alta de 4% cotado a R$ 5,39 para a venda; juros em alta de quase 1pp
O dia foi de fortes oscilações no mercado financeiro nacional. Pra começar a quinta-feira (10.nov), uma notícia que tenderia a soar como um sinal de alerta para investidores, analistas e autoridades públicas: a inflação medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), subiu 0,59% em outubro, depois de três meses de deflação. Os dados foram divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.
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Mas era só o começo. Ainda no final da manhã, o presidente eleito Luis Inácio Lula da Silva (PT) visitou o Centro Cultural do Banco do Brasil (CCBB), em Brasília, para conhecer as instalações onde funciona a transição de governo. Ali ele fez um discurso que, inegavelmente, impactou observadores, investidores e o mercado financeiro em geral: Lula disse não entender por que a todo momento tem que se falar " em cortar gastos, tem que cortar gastos", na hora de tocar no assunto das medidas sociais. A leitura do mercado foi a de que, aparentemente, Lula entende a questão da responsabilidade social como sendo antagônica a responsabilidade fiscal, como se uma coisa excluisse a outra. E os números vieram abaixo. A bolsa de valores chegou a cair 4,46% na mínima do dia, aos 108.966 pontos. E manteve postura semelhante durante toda a quinta-feira, na contramão do cenário externo que fechou favorável aos indicadores de inflação ao consumidor (CPI, na sigla em inglês) dos Estados Unidos, e com bolsas por lá decolando: a inflação subindo menos sugere ao mercado que o Federal Reserve possa pegar mais leve nos juros na reunião de dezembro. Resultado: Dow Jones + 3,69%; Nasdaq + 7,35% e S&P 500 + 5,53% no fechamento do dia.
Nomes e números
No Brasil, o Ibovespa caiu 3,36% até os 109.762 pontos. Dólar na bandeja oposta da gangorra subiu 4%, cotado na venda a R$ 5,39. Outro indicador de extrema relevância: as taxas de juros cobradas pelo investidor para "financiar a dívida pública" do governo dispararam quase 1% de ontem para hoje. Culpa do que o mercado classifica como "imprevisibilidade", o desconhecimento sobre qual será efetivamente a política do governo para preservar o equilíbrio fiscal e, ainda mais importante, quem conduzirá os rumos da economia. " Num ambiente global complicado, com uma dívida pública no Brasil já elevada, o Lula fala em expansão fiscal. E pra piorar, não há uma sinalização mais firme sobre quem será o Ministro da Fazenda", avalia Roberto Padovani, economista chefe do Banco BV.
" Na falta do ministro, o mercado ouve o Lula. E o presidente eleito fala explícitamente em aumenar os gastos, em expansão fiscal. Destaque que além de não se saber quem vai levar a economia, não se sabe mais qual o tamanho do buraco no Teto" - Roberto Padovani, Banco BV
Quanto e quando
Marcou ainda o dia dos observadores e economistas, ao menos um aspecto adicional em relação ao Teto de Gastos por ser estabelecido. O montante, ainda não está explicitamente definido. Mas para os analistas, há outra questão em aberto: a partir de agora, não se trata mais de um "waiver", uma "licença para gastar" como o mercado vinha tratando as negociações neste sentido, inicialmente propostas pela equipe de Lula. "Agora virou permanente", sentencia José Márcio Camargo, economista-chefe da Genial Investimentos. " A conversa de que o Teto vai ser furado em R$ 175 bi, um gasto definitivo, vai significar um aumento do déficit público em 2% ou 3% do PIB [Produto Interno Bruto]. Obviamente, o mercado está reagindo a isso", afirma ele.
Mercado sensível
Para Roberto Padovani, ao menos parte do nervosismo no mercado se deve a ruídos de curto prazo, típicos de transição de governo. Mas alerta: " É importante para mostrar qual é a tensão de mercado em relação a estes temas. O mercado está muito nervoso. A autoridade não pode errar nem no discurso em meio ao cenário complicado aqui e lá fora".
Já Raul Velloso, especialista em finanças públicas, sugere dar tempo ao tempo: "O mercado tem que esperar. Lula nem sentou na cadeira ainda. Além disso, a preocupação maior tem que ser com a qualidade do gasto, e não só com o montante do gasto. Pois o problema hoje é que a folha de pagamento consome tudo, sobra pouco pra investimento", analisa ele.
Mas o estrago provocado no dia da finança também teve um efeito rebote. Um aliado que esteve com Lula em reuniões ao longo da quinta-feira e prefere não se identificar, confidenciou que o presidente eleito passou o dia todo irritado com a reação do mercado. Tanto que, no final da tarde, ao sair do CCBB, Lula fez questão de se dirigir aos jornalistas que faziam plantão do lado de fora --- coisa em nada usual da parte dele atualmente. E tinha um recado pronto.
" O mercado fica nervoso à toa. Nunca vi um mercado tão sensível quanto o nosso. Não vi nada disso em quatro anos de governo Bolsonaro", alfinetou Lula.
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