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Projetos de Lei que mudam uso do solo em Mato Grosso geram polêmicas

Enquanto no Pantanal a ideia é de desenvolvimento sustentável, na Amazônia a proposta se mostra rasa

Projetos de Lei que mudam uso do solo em Mato Grosso geram polêmicas
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Mato Grosso, estado que já é considerado um polo do agronegócio brasileiro e reconhecido até em alguns países, pretende aumentar as terras agricultáveis. São dois projetos de lei que geram ainda mais polêmica sobre o setor com ambientalistas e a sociedade.

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Um deles foi aprovado no último dia 12, pela Assembleia Legislativa do estado. É a permissão para trabalhar com pecuária extensiva, turismo rural e ecológico sobre o Pantanal.

Diferente do que possa parecer, a pauta não é do agronegócio. O PL é da Comissão de Meio Ambiente, Recursos Hídricos e Minerais da AL de MT, que resolveu criá-lo após o incêndio que atingiu 26% da área de 16 milhões de hectares em 2020. Considerado o pior da história do bioma.

A fauna foi devastada. Quase cinco bilhões afetados e mais de 10 milhões mortos. Impacto também sobre ribeirinhos, indígenas e produtores rurais. Mais de 500 famílias impactadas.

O fogo foi causado pela alta incidência do sol, que sobre plantas castigadas pela seca, e se alastrou rapidamente. De lá para cá, governos estadual e federal aplicaram recursos para aumentar o número de pessoas aptas a combater as chamas. O número quadruplicou para 1.200.

Em dois anos, quadruplicou o número de combatentes a incêndios
Em dois anos, quadruplicou o número de combatentes a incêndios. Mas, só a ocupação sustentável poderia preservar o bioma, segundo Embrapa | Divulgação/Governo de MS

São voluntários, brigadistas contratados pelas fazendas, além de bombeiros e policiais militares ambientais. Mas o efetivo maior não seria suficiente, de acordo com o autor da proposta, o deputado estadual Carlos Avallone (PSDB), presidente da Comissão.

"Na realidade, o abandono que causou o incêndio, né? São dois milhões de hectares de fazendas abandonadas. Antes, os produtores rurais eram os primeiros a combater o fogo", avalia o deputado federal.

A solução estaria na reocupação sustentável. "Para isso chamamos a Embrapa [Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária], para que colocasse técnicos para pesquisar e mostrar como fazer", diz ele. "À princípio a intenção era só permitir a pecuária extensiva."

Esse tipo de manejo trabalha com o gado solto. O que no Pantanal é bastante comum. Aliás, poucas fazendas têm cercas. Justamente por causa dos alagamentos. Para evitar que fiquem ilhados, os animais ficam livres. Os pecuaristas os reconhecem pelos brincos.

"A presença do boi é positiva até nas APPs [Áreas de Preservação Permanente], porque o boi pasta, mexe no capim, evita que se formem os focos de incêndio", explica o pesquisador da Embrapa Walfrido Tomas.

No entanto, há uma orientação dos especialistas. Não se pode plantar outros tipos de gramíneas nas APPs. Nas áreas de pastagens, apenas em 40%. As fazendas também devem priorizar que as áreas de preservação sejam conectadas, formando um corredor de biodiversidade.

O PL também foi aprovado com emendas que discorrem sobre a proibição de outras atividades, como a exploração mineral ou construção de infraestruturas que modifiquem o cenário, exemplo das hidrelétricas.

Para o idealizador, a atualização da lei que rege o Pantanal surge como uma nova chance para aquela região e as comunidades originais. "Além dos pantaneiros, há quilombolas e indígenas, que estão felizes com a possibilidade de um desenvolvimento sustentável".

Apesar da denominação de "desenvolvimento sustentável", ambientalistas e até profissionais mais moderados, que trabalham entre a preservação ecológica e a atividade econômica veem a mudança com ceticismo.

O problema seria intrínseco à atualidade da urgência climática. O planeta não suporta mais intervenções humanas, como desmatamento e degradação de solo. A renovação da Lei do Pantanal mostra -- teoricamente -- o contrário. Agora, é preciso aguardar como se dará a votação que pretende retirar Mato Grosso da zona da Amazônia Legal.

Projeto de Lei 337/2022 colocado em dúvida

A proposta é do deputado federal Juarez Costa (MDB-MT), que usa o discurso de aumento na demanda mundial por alimentos para tentar retirar o estado de Mato Grosso da chamada Amazônia Legal.

Essa zona foi criada em 1950. Tem 5,02 milhões de quilômetros quadrados distribuídos em nove estados: Acre, Amapá, Amazonas, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima, Tocantins e parte do Maranhão.

À época, foi importante para organizar o planejamento econômico do país -- o que quem defende a mudança da lei, diz que estaria defasada, pois trava o desenvolvimento e a produção agropecuária.

De fato, uma propriedade inserida onde há a floresta deve preservar 80% da mata nativa. Se, apesar de estar dentro da Amazônia Legal, a vegetação for característica do Cerrado, a reserva deve ser de 35%. Em campos gerais, são 20%. O que o PL traz é a ideia de preservação de apenas 20% da vegetação natural em todo o estado.

Mesmo com a atual legislação, de acordo com dados do próprio PL, Mato Grosso tem um déficit de 21,7% de reserva legal. Motivo de preocupação. Se com a lei mais dura, o desmatamento é maior do que o permitido, sem ela seria pior. É como avalia Isabel Garcia Drigo, doutora em Ciência Ambiental pela Universidade de São Paulo (USP) e gerente de Clima e Cadeias Agropecuárias do Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora).

"O Brasil tem uma quantidade de normas e leis que a gente nem concretizou ainda. E mais, elas tem um porquê de existir. Não podemos simplesmente descartar. Antes de criar ou propor mudanças assim tem que se fazer consultas científicas e e com a população. Tudo tem que ser feito com muito cuidado", alerta a especialista.

Além do cuidado que exige essa mudança, quem discorda do PL traz à tona outra questão: por que expandir a produção desmatando sendo que o Brasil tem mais de 140 milhões de hectares de terras degradadas?

São solos abandonados depois de apresentarem erosão ou empobrecimento, características causadas justamente pelo mal uso da agropecuária. Em vez de flexibilizar a lei para ampliar áreas de produção, por que o poder público não busca investimentos para capacitar o produtor rural a recuperar as terras degradadas? "A gente tem o Plano ABC [programa de agropecuária de baixo carbono do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento] com consultoria técnica e crédito disponível, que poucos usam", avalia Isabel.

Juarez Costa foi procurado, por meio de sua assessoria de imprensa, para esclarecer as dúvidas da reportagem, que não foi atendida.

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