Mercado de carbono: o que é e por que o Brasil já começou errado?
Na teoria, quem equilibra o que emite de gases de efeito estufa vai ganhar dinheiro. Na prática, faltam parâmetros
Especialistas em sustentabilidade estão preocupados com o mercado de carbono brasileiro. "Para funcionar tem que rever três problemas: estrutural, técnico e científico tecnológico", avalia o coordenador do Observatório de Bioeconomia da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Daniel Vargas.
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O professor da FGV analisou o projeto, que foi publicado no Diário Oficial da União (DOU) de 20 de maio. O governo federal anunciou como a solução para o país, enfim, ser reconhecido financeiramente por equilibrar o que emite de gases de efeito estufa (GEEs).
A investida inesperada do Ministério do Meio Ambiente foi comemorada por alguns setores da economia, como o agronegócio: "É uma iniciativa importante para o produtor rural brasileiro que contribui com a preservação ambiental por meio da manutenção da reserva legal e adotando tecnologias agropecuárias para redução das emissões de GEEs", disse, em nota, o presidente da Comissão Nacional de Meio Ambiente da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), Muni Lourenço.
Porém, provavelmente, quem apoiou não percebeu detalhes -- ou a falta deles -- no projeto.
Para se ter ideia, o texto original previa multas para irregularidades na mensuração ou comercialização dos créditos. Mas como penalizar se ainda não existe lei sobre o tema?
Esse problema foi resolvido -- ou evitado. O trecho foi deletado do conteúdo publicado no DOU.
Ainda assim, há questões importantes. Como o fato de existirem poucas auditorias e certificadoras aptas a mensurar e gerar o crédito para aquele produtor rural que poderia ganhar por isso. Como há poucas empresas credenciadas em todo o mundo, o preço cobrado é alto. Atualmente, uma fazenda de mil hectares investiria de R$ 300 mil a R$ 400 mil.
Ainda sobre isso, Vargas aponta, que antes de regular a mensuração, o governo federal deveria aprender a fazê-la e dar suporte aos setores econômicos.
Aliás, a situação mais grave pode ser a maneira de mensurar o que é emitido em GEEs. A fórmula é baseada nas condições da Europa. Segundo pesquisadores, não serve para o Brasil.
Um dos gases mais nocivos é o metano. Na Europa, emitido pela mineração de carvão e pela pecuária. No Brasil, a mineração de carvão é ínfima, já a peucuária é um dos principais ativos econômicos. "Só que o metano emitido na Europa tem peso diferente do metano emitido pela pecuária brasileira", aponta Vargas. Ele mesmo explica: "Diferente do fóssil, que foi tirado da Terra e solto na atmosfera, o metano da pecuária é o CO2 da atmosfera capturado pela fotossíntese da planta e depois ingerido pelo gado. É um gás de efeito estufa reciclado".
Sem contar que aqui temos mitigadores de GEEs naturais e quase exclusivos, como a qualidade do pasto, as abundantes florestas e os rios. Ou seja, o Brasil tem mais elementos do que se imagina para gerar créditos de carbono e pode deixar de ganhar -- e muito -- por não saber como fazer.
É como insiste Celso Moretti, presidente da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), em eventos sobre o tema: "Precisamos tropicalizar a ciência".
Para resolver, Vargas indica que, primeiro, precisamos de metodologias, depois, estruturar: "A lei vai definir a regra e a ciência vai dar o caminho".
O que é mercado de carbono?
Até parece ironia. A ideia de um sistema de pagamento para quem mitiga GEEs surgiu em uma das primeira convenções sobre clima organizada pela Organização das Nações Unidas (ONU), justamente no Brasil, em 1992.
Cinco anos depois, em outro evento da ONU, a discussão evoluiu e foi batizada de mercado de carbono. Foi quando os países signatários definiram metas de redução dos GEEs.
De lá pra cá, vários países da Europa e da Ásia experimentaram fórmulas, criaram regras e tabelaram valores. O Brasil, considerado a maior potência em geração de créditos, não avançou.
Ano passado surgiu um projeto de lei. Criado pelo deputado federal Marcelo Ramos (PL-AM), que nunca foi levado ao plenário da Câmara. Outros políticos e até cientistas que tiveram acesso ao PL apontaram problemas diversos.
Diante da pressão do mercado financeiro, que não via a agenda seguir em frente no Brasil, o governo federal regulamentou o mercado de carbono via decreto.