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Projeto que renegocia dívidas de microempresários é prioridade na Câmara

Texto visa a facilitar a renegociação de dívidas de microempresas e empresas de pequeno porte

Projeto que renegocia dívidas de microempresários é prioridade na Câmara
Pessoa digita em laptop (Marcelo Camargo/Agência Brasil)
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As microempresas (MEs) e empresas de pequeno porte (EPPs), que atualmente representam quase 80% das companhias com registros ativos no Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (4,3 milhões das 5,5 milhões) -- segundo a Receita Federal do Brasil --, são o foco de um Projeto de Lei Complementar que tramita em regime de prioridade na Câmara dos Deputados e, no último sábado (30.jul), completou oito meses na Comissão de Finanças e Tributação (CFT) da Casa. Trata-se do PLP 33/2020, que cria o Marco Legal do Reempreendedorismo, com o objetivo de facilitar a renegociação de dívidas de MEs e EPPs. O projeto, apresentado pelo senador Angelo Coronel (PSD-BA), está em análise na CFT na forma de um substitutivo sugerido pelo deputado Hugo Leal (PSD-RJ) diante da versão aprovada por unanimidade no Senado -- em 8 de dezembro de 2020 -- e é apoiado por especialistas e pelo Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae).

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Segundo o advogado Renato Scardoa, especialista em estruturação de negócios e reestruturação de empresas, não há, no Brasil, "uma legislação adequada para tratar da crise financeira da micro e pequena empresa". Dessa forma, afirma, as MEs e EPPs "acabam sendo forçadas a negociar com seus credores mais fortes, que acabam sendo o Fisco e as instituições financeiras, porque são elas que chegam antes e que conseguem impor uma negociação mais contundente, mas é aquele negócio: remédio demais, vira veneno". O motivo desta afirmação, de acordo com Scardoa, é que "as condições acabam se tornando muitas vezes até abusivas" e as empresas não conseguem se recuperar. "Então, qual é a necessidade de uma legislação específica? É uma legislação que traga procedimentos mais simples, uma menor participação do Judiciário e que traga mais de uma forma de saída para as empresas em crise, porque a gente tem um país continental como o Brasil, com diversos tipos de micro e pequenas empresas", completa.

Um dos três autores de um estudo, denominado A Legislação Brasileira de Insolvência para Microempresas de Pequeno Porte e publicado pelo Instituto Millenium na última semana, que defende a aprovação da atual versão do PLP 33/2020, o advogado diz que o projeto prevê mais de uma solução para MEs e EPPs em crise financeira e garante "maior segurança jurídica". Pelas normas existentes, no Brasil, a empresa em crise que não consegue se recuperar ou encerra suas atividades de forma imediata e em definitivo já quitando as dívidas, ou, como predomina no país o empreendedorismo por necessidade, insiste no negócio e vê as dívidas se tornarem impagáveis, o que a impede de fechar de forma regular e leva o empreendedor para a informalidade.

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O Marco Legal do Reempreendedorismo traz, por sua vez, nas palavras de Scardoa, "a possibilidade de recomeçar, seja através da renegociação do seu passivo com os credores, seja através de uma liquidação acelerada, rápida e eficiente dos ativos de um empreendimento que não deu certo". Para o advogado, "a importância do PLP é de justamente possibilitar de uma maneira desburocratizada, célere e eficiente a reinserção do empreendedor na economia". Ele ressalta que "o erro é parte do processo de aprendizado de sucesso do empreendedor" e, por isso, é importante para a ME e EPP que não conseguir se recuperar de uma crise financeira ter "uma porta de saída" com essas características. Na avaliação de Scardoa, com o empreendedor retornando de maneira formal para a economia, mesmo se o Fisco tiver deixado de recuperar totalmente os impostos que a antiga empresa lhe devia, recuperará pelo próprio retorno formal.

Conforme o PLP 33/2020, as MEs e EPPs que tiverem condições de reverter a crise financeira e optarem por renegociar as dívidas de forma extrajudicial terão uma rede de apoio, formada por entidades de classe, como o Sebrae e a Confederação Nacional da Indústria (CNI), no momento da renegociação. Essa rede, diz o especialista em estruturação de negócios, auxiliará "a fazer um diagnóstico da empresa, ver se a empresa é viável, e ajudar a construir um plano de pagamento que abranja todos os credores e a fazer uma mediação entre o devedor e os seus credores, aí incluindo não só os bancos, mas como fornecedores e também os credores trabalhistas".

"Então, a ideia é trazer um pouquinho mais de equilíbrio nessa negociação de dívida entre credores e devedores, ainda mais um devedor que é muito mais hipossuficiente, que é o caso da micro e pequena empresa, mas também a ideia não é dar calote. É você gerar um ambiente de que estimular um acordo consensuado e equilibrado entre as partes", acrescenta.

Atualmente, a renegociação extrajudicial é feita apenas por meio dos feirões das instituições financeiras. Isso, de acordo com o especialista em estruturação de negócios, faz com que, geralmente, o empreendedor comprometa "toda a sua receita para repactuar com a instituição financeira, e outros credores que até são igualmente importantes ou até mais importantes, como fornecedores e até empregados, ficam no segundo plano, porque eles não são os credores mais fortes". O projeto em tramitação na Câmara prevê ainda que, se o credor ajuizou uma ação contra o devedor por causa da dívida, o juiz dará prazo de 180 dias para as partes tentarem se conciliar; no período, o magistrado poderá nomear mediadores e fazer audiências visando a possibilitar o fechamento de um plano de pagamento viável, que será aprovado caso a maioria dos credores concorde.

Para o advogado Walter Calza Neto, que é perito judicial do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) e relator do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-SP, a proposta do Marco Legal do Reempreendedorismo de desburocratizar, baratear e facilitar a recuperação das micro e pequenas empresas "é muito interessante". Ele diz que os dois caminhos extrajudiciais trazidos pelo PLP (renegociação extrajudicial e liquidação dos ativos de forma extrajudicial) não só tornam o processo mais célere, mas também desafogam o Judiciário. Além disso, vê com "excelentes olhos" um ponto, do projeto, segundo o qual "no pedido de falência, a micro e pequena empresa pode, no prazo de contestação, oferecer uma proposta de pagamento". Isso porque, explica, "é a abertura de mais um momento para solucionar". "Porque o credor não tem interesse efetivo de quebrar a empresa. Ele quer realmente receber o seu crédito de volta, colocar esse dinheiro de volta dentro da sua estrutura, para que ele possa comprar matéria-prima, para que ele possa investir em produtos".

Calza Neto ressalta ainda como pontos positivos do PLP o fato de diminuir custos, tornar possível a comunicação de forma eletrônica entre o devedor e credor em momentos em que não era, e de trazer a possibilidade de evitar-se "a necessidade de documentos que se tornem extremamente onerosos". Por outro lado, de acordo com ele, alguns trechos do texto "não estão muito claros de como procedimentalmente será realizado aquele mecanismo". "Mas só a existência do projeto já me traz uma esperança na recuperação dessas empresas que são extremamente importantes para o mercado nacional", acrescenta.

Idoso caminha em frente de comércios com as portas fechadas (Tânia Rêgo/Agência Brasil)
No final de abril e começo de maio, 65% dos pequenos negócios no Brasil tinham dívidas | Tânia Rêgo/Agência Brasil

O advogado reforça que, apesar de a pandemia ter obrigado muitas empresas, sem reserva financeira, a suspenderem as atividades mantendo, mesmo assim, os funcionários com salários em dia e o pagamento de alguéis e impostos, e atualmente haver outros obstáculos, trazidos por "questões internacionais", como a guerra na Ucrânia, fatores esses que fazem as MEs e EPPs sentirem a necessidade de se reestruturarem, "infelizmente no Brasil a gente ainda não tem em vigor uma legislação que atenda essa necessidade de reestruturação". "Às vezes elas são um pouco duras aqui, a gente tem a Lei de Falências e o próprio Código de Processo Civil, quando fala das execuções, ainda bastante duros em relação ao devedor. Então não vejo hoje, em vigor, a existência de uma lei que seja favorável à recuperação dessas empresas".

Entretanto, ao se discutir uma lei nesse sentido, como vem sendo feito por meio do PLP 33/2020, pontua Calza Neto, é preciso ter cuidado também "para que essa flexibilização, esse elastecimento da dívida não prejudique o credor". "Porque eu atuo nessa área do direito empresarial há muitos anos, e o que a gente vê? Quando tem uma recuperação judicial, se o credor é uma empresa que tem uma saúde financeira delicada, às vezes a recuperação inviabiliza essa empresa. Então, para tentar salvar uma, você acaba colocando a outra numa situação de risco. Então a minha preocupação seria, dentro de uma legislação que tenha mecanismos que desburocratizem, que barateiem e que criem uma flexibilidade de negociação, mas que também mantenha uma saúde financeira do credor".

De acordo com a 14ª edição da pesquisa O Impacto da pandemia de coronavírus nos Pequenos Negócios, feita de 25 de abril a 2 de maio deste ano pelo Sebrae em parceria com a Fundação Getulio Vargas (FGV), 65% dos pequenos negócios no Brasil tinham dívidas, sendo 35% em dia e 30% com parcelas em atraso. O levantamento mostra ainda que 59% dos pequenos negócios possuíam mais de 1/3 dos seus custos mensais comprometidos com as dívidas. O Sebrae diz ser favorável ao PLP 33/2020 porque o texto coloca "à disposição do segmento novas ferramentas capazes de auxiliar na sobrevivência e manutenção da empresa frente às relações credor/devedor ou mesmo de permitir o fechamento de portas sem amarras e dentro da legalidade".

Silas Santiago, gerente de políticas públicas do Sebrae Nacional, afirma que "reempreender é oferecer uma segunda opção em relação à legislação atual - tão pouco utilizada pelo pequeno negócio -, dando guarida a algo inovador, rápido, menos burocrático, mais simplificado, e menos oneroso, judicial ou extrajudicialmente falando, contribuindo assim para a recomposição do faturamento, quitação de dívidas e continuidade das atividades". Renato Scardoa analisa que o impacto da pandemia na economia brasileira reforça a importância da aprovação do Marco Legal do Reempreendedorismo, porque a crise sanitária "acelerou o processo de encerramento e de verificação de eficiência de determinados agentes econômicos que não necessariamente são da nova economia"." Por exemplo, restaurantes que estavam atrelados ou circundavam grandes estádios de futebol, a gente ficou quase dois anos sem ter público, a gente teve uma série de empreendimentos que deixaram de ter viabilidade econômica em virtude da pandemia.Outros passaram pelo processo acelerado de encerramento da atividade. Pelo lado positivo, os de entrega, Rappi, todos essas soluções e plataformas de entrega tiveram crescimento acelerado".

Com nova economia, o especialista se refere a um cenário -- em curso -- no qual os principais agentes econômicos são as startups, que, afirma Scardoa, muitas vezes surgem tendo em vista um modelo de negócios e, depois, se reinventam por perceberem não ser o modelo adequado, ou fecham em definitivo por não serem viáveis. Como a pandemia acelerou o processo de encerramento e verificação de eficiência de outros agentes, acrescenta o advogado, e não havia uma legislação voltada especificamente para as MEs e EPPs que entraram em crise, a única forma encontrada pelo governo para tentar solucioná-la foi o lançamento de linhas de crédito incentivado, com a principal sendo o Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (Pronampe). Entretanto, fala Scardoa, "apesar da boa intenção do governo em fazer isso e a gente verificar que até uma parcela diminuta  das empresas se beneficiaram dessas linhas de crédito, isso de fato acabou dando um fôlego, mas se a gente olhar muito bem como é o cenário da micro e pequena empresa, a gente vê que esse é um remédio praticamente inócuo e gerando uma despesa grande para o Fisco".

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Os motivos que aponta para isso são dois: empresas inviáveis pegaram crédito incentivado e pagaram dívidas que tinham com bancos privados por meio da quantia e, por serem inviáveis, encerrou as atividades em definitivo mesmo assim - portanto, devendo para o governo e voltando a ter dívida com instituição financeira privada; e negócios viáveis sentiram necessidade de negociar dívida com banco privado mesmo após pegarem o crédito incentivado. Conforme a Confederação Nacional das Micro e Pequenas Empresas e Empreendedores Individuais (Conampe), 1 milhão de micro e pequenas empresas fecharam no Brasil em 2020, primeiro ano da pandemia, ante 1,1 milhão de 2019. Em 2021, foram fechadas quase 1,4 milhão.

Scardoa participou da elaboração do PLP 33/2020 em dois momentos. Primeiro, na versão inicial do texto, apresentada no Senado após publicação pelo Fórum Permanente da Micro e Pequena Empresa; o advogado era integrante do corpo jurídico que criou o texto. Depois, na Comissão de Desnevolvimento Econômico, Indústria, Comércio e Serviços (CDEICS), como integrante da Comissão de Falência e Recuperação Judicial da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), foi um dos juristas convocados pelo relator -- Hugo Leal -- para trabalhar no substitutivo aprovado pelo Senado; assim, diz, o aperfeiçoou junto com os demais profissionais.

"O espírito do texto [original] está lá, mas foram eles aperfeiçoados diante de todos os debates que foram envolvidos sobre o tema. Eu acho que o texto hoje que foi apresentado pelo deputado Hugo Leal já está quase no estado da arte, está num estágio muito maduro para ser aprovado. A gente poderia ter alguns pontos de melhoria, alguns outros pontos que poderiam ser de aperfeiçoamento, mas eu acho que a gente não teria o concenso na Câmara para ser aprovado", pontuou.

Dois sistemas estrangeiros de negociação de dívidas de MEs e EPPs serviram de inspiração para a criação do PLP: o americano, que privilegia a negociação, e o australiano/europeu, que é o da rápida liquidação dos ativos. Se for aprovado na CFT, na Câmara, o texto segue para a Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC). Após uma eventual aprovação pelo plenário da Câmara, como sofreu alterações em relação à versão aprovada pelo Senado, retornará para este. Ao SBT News, o Conampe disse que "o reempreendedorismo é fundamental para os pequenos negócios, um apoio ao processo de formalização e sobrevivência das empresas e dos empreendedores". A entidade considera o PLP 33/2020 como "muito importante", concorda com a versão aprovada pelo Senado e vinha defendendo que a Câmara aprovasse o projeto de forma rápida e sem alterá-lo.

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