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O que causa as enchentes no Rio de Janeiro e em outros estados do Brasil?

Além de ambiental, problema passa por questões sociais e até raciais. SBT News levanta também possíveis soluções para o problema das chuvas

O que causa as enchentes no Rio de Janeiro e em outros estados do Brasil?
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Os impactos do El Ninõ nas primeiras semanas de 2024 trouxeram consigo uma série de chuvas intensas, causando destruição e mortes nos estados do Rio de Janeiro e também no Rio Grande do Sul. Mas o fenômeno natural é a única causa para problemas de proporções tão alarmantes?

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Só no Rio, pelo menos 13 pessoas morreram e diversos municípios estão em estado de emergência. Em território gaúcho, foram duas vítimas em 2024. No fim do ano passado, outras cinco pessoas morreram. Além disso, muitas pessoas estão desabrigadas nos dois estados.

Problemas como estes, periodicamente, ocorrem em diversas regiões do país. Em novembro de 2023, Natal (RN) foi afetada por fortes chuvas que deixaram dezenas de desabrigados.

Devido à frequência e a previsibilidade dessas chuvas fortes, especialistas e pesquisas consultadas pelo SBT News afirmam que as tragédias não podem ser encaradas como uma mera fatalidade causada por um fenômeno natural.

O próprio prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, afirmou que as chuvas na cidade e no Estado não são uma surpresa.

“O que não dá para dizer é que chuva no Rio é uma surpresa. Todo verão chove e chove muito. Diria que de novembro até abril, não dá para ficar achando que não tem esse risco. A prefeitura lida com essa situação”, disse Paes, que ainda afirmou que são necessárias obras de infraestrutura durante entrevista.

Na linha da declaração do prefeito, o professor do Instituto de Geografia da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), Antonio Carlos Junior, afirma que parte significativa do problema vai além de questões ambientais ou hidrológicas (fluxo de água).

Segundo o especialista, os distúrbios são agravados pela prevalência de outras prioridades políticas e comerciais que causaram uma série de alterações no solo urbano.

“Além de questões climatológicas, esses problemas de desastre que acontecem aqui no Sudeste, também são moedas de barganha política, seja entre os entes federados para conseguir recursos, pois numa situação de emergência, a gente acaba abrindo excepcionalidades que abrem a porta para uma série de esquemas de desvio de recursos, por exemplo”, disse o professor, que é pesquisador de fenômenos climatológicos em centros urbanos.

O professor também defende um sistema mais eficiente de alerta para chuvas de alto volume, acompanhado de uma infraestrutura prévia para receber as famílias como forma de convencê-las a deixarem suas casas e evitar mortes. “Muitas vezes essas pessoas não ficam em casa só porque querem, elas não saem porque não vão ter onde ficar. Então cabe ao Estado oferecer estrutura adequada para que essas famílias saiam de casa antes mesmo da chuva que está por vir”, complementou Antonio Carlos.

Por que acontecem as enchentes?

Geralmente, as inundações urbanas são causadas pelas chamadas chuvas intensas, que são as precipitações de curta duração e de alta intensidade.

Várias são as causas das enchentes, mas as principais estão relacionadas ao volume das chuvas, ao tipo do piso ou do solo, entupimento de bueiros e bocas de lobo causados por descarte irregular do lixo, erros de projeto -- drenagem ineficiente --, ocupação irregular do solo e retilinização dos rios.

Em alguns lugares do Rio de Janeiro e do Rio Grande do Sul existem fatores geográficos que contribuem para enchentes, mas o nível das adversidades está relacionado a uma série de falhas do poder público e da forma como as cidades se expandiram.

Solo impermeável

Depois do saneamento básico, a macrodrenagem é o tema ambiental que mais afeta a população que vive nas cidades que, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), já corresponde a mais de 80% do povo brasileiro.

Um documento da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) aponta que “sem dúvida” a impermeabilização do solo é “o maior vilão das enchentes”. Durante a chuva, a água segue em três direções após atingir o solo: para cima (evaporação), para o lado (escorrimento superficial) ou para baixo (infiltração).

No entanto, quando o solo é impermeável, como o concreto, o asfalto, a piçarra e os paralelepípedos das ruas brasileiras, a água que infiltraria acaba se juntando com o escorrimento superficial, agravando os efeitos das enchentes.

“O problema começa a ser agravado a partir do momento que a gente faz uma série de intervenções no solo urbano para poder trazer valorização e para especulação imobiliária na venda de imóveis. Isso começa um processo de impermeabilização que muda completamente o ciclo hidrológico do ambiente”, explica o professor Antonio Carlos Junior.

Outro fator catalisador é a drenagem deficiente. Mesmo em obras hidráulicas, o dimensionamento dos drenos é visto como um fator de difícil previsão, pois o tamanho e material adequado para o dreno instalado no dia da obra, pode se tornar insuficiente com o passar do tempo, devido às mudanças climáticas e o aumento d densidade demográfica (que causa um conseqüente grau de impermeabilização do solo, fazendo com que a drenagem deixe de atender à vazão das cheias).

Retilinização dos rios

A retilinização dos rios está diretamente atrelada à impermeabilização do solo, que também tem como motivação a especulação imobiliária para construção de estabelecimentos comerciais, residenciais, além de pistas e áreas públicas de lazer. Em mapas antigos de diversas cidades, como no centro do Rio de Janeiro, é possível ver que diversos afluentes passavam por ali, mas hoje, eles não estão mais presentes por estarem em linha reta.

Em locais onde os rios são sinuosos, dentro dessa paisagem original, ele possui pontos de inundação e esses espaços são necessários para que esses afluentes cumpram suas funções na paisagem.

“O rio retilíneo ele só é bom para aumentar o solo urbano e vender terreno. Ele não é bom do ponto de vista ambiental. Se ele tem a sua sinuosidade e configuração, as planícies de inundação estão ali presentes. Os espaços são necessários para que um rio faça a função dele na paisagem, mas a gente simplesmente desconsidera e passa ele numa numa reta”, disse o professor.

Falta de comunicação do poder público

Segundo Antonio Carlos Júnior, quando tomadas, as ações do poder público são ineficientes. Segundo a conclusão do professor da Uerj um dos motivos para isso está numa quase inexistente comunicação intermunicipal e do governo do Estado para construir ações coordenadas nos rios que cruzam mais de uma cidade.

“Para que as medidas e intervenções sejam efetivas é preciso uma interlocução, porque se não a gente vai continuar nessa medida de enxugar gelo. Por exemplo, não adianta o Rio de Janeiro e Duque de Caxias, por exemplo, realizarem obras para desassorear o Rio Botas, pois ele vai muito além desses territórios. Se ele transborda em outra cidade, esses efeitos podem chegar nesses locais também”, explicou.

Descarte irregular do lixo

Com o crescimento exponencial da população em áreas periféricas de difícil acesso, juntamente à falta de educação ambiental da população, faz com que o lixo seja jogado em valões, encostas ou mesmo no chão, causando entupimento de bueiros. Esses fatores tornam o escoamento superficial ainda menos impactante, e somado à impermeabilização do solo, o volume de água fica ainda maior.

Além disso, o acúmulo de lixo e materiais nos rios causam transbordamento, potencializando ainda mais o processo de inundação das áreas urbanas. Outro fator é a rede elétrica na superfície. A queda de postes ou rompimento da rede elétrica nas ruas inundadas, deixam as pessoas vulneráveis a serem atingidas por descargas elétricas, causa da morte de muitas das vítimas dos alagamentos.

O descarte irregular do lixo também está diretamente relacionado à ocupação irregular do solo, outra causa das enchentes.

Racismo Ambiental

A tragédia no Rio de Janeiro trouxe para o debate o que é chamado de racismo racial. Em publicação nas redes sociais, a ministra da Igualdade Racial afirmou que moradores de favelas e periferias são "sempre" as maiores vítimas graves das chuvas.

"Quando dizem que favelas e periferias são quinze vezes mais atingidas que outros bairros, não é natural que em alguns municípios, bairros, periferias e favelas sofram com consequências mais graves da chuva do que outros”, afirmou a ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, em declaração publicada em seu perfil no X (antigo Twitter).

“Isso acontece porque uma parte da cidade, do estado, não tem a mesma condição de moradia, de saneamento, de estrutura urbana do que a outra. Também não é natural que esses lugares tenham ali a maioria da sua população negra. Isso faz parte do que a gente chama e define de racismo ambiental e os seus efeitos nas grandes cidades”, completou a ministra.

Por mais que existam questões de “sítio” (geográficas), as chuvas no Rio de Janeiro não costumam atingir áreas nobres da cidade, como a Zona Sul. No último fim de semana, foram afetadas cidades da Baixada Fluminense e em bairros do subúrbio da Zona Norte e Zona Oeste cariocas.

“Não é só um problema natural, pois existem problemas de engenharia e social únicos. A gente precisa dizer que situações como essa não acontecem na Zona Sul (área nobre do Rio). Elas vão acontecer na Zona Norte, na Zona Oeste, na Baixada Fluminense, onde eu tenho um viés é, ou um impacto mais significativo de todos esses problemas”, disse.

“São ambientes suscetíveis do ponto de vista natural, porque são ambientes de Baixada. E essa população está ali porque não tem infraestrutura adequada e essa falta de infraestrutura adequada deixa o lote urbano ou a casa mais barato”, complementou o especialista.

Soluções

O professor Antonio Carlos e o estudo da UFRRJ apontam diversas medidas com potencial de evitar ou reduzir consideravelmente os impactos pelas chuvas intensas.

Entre as ações ambientais estão: descarte adequado de lixo, redução de desmatamento, aumento de áreas verdes e revitalização e desretilização dos rios para evitar inundações.

Também existem medidas hidrológicas, como a instalação de asfaltos permeáveis, captação de água através de telhados e pisos, construção de piscinões para atrasar o pico das enchentes, além de rios com mata ripária (para diminuir a velocidade média do escoamento).

Para soluções paliativas ou de resiliência, são apontados sistemas de alarmes mais eficientes para evitar que vidas sejam perdidas. Além disso, o poder público deve oferecer estruturas adequadas para convencer o cidadão a deixar sua casa, uma vez que muitas pessoas preferem arriscar por não ter onde ficar caso deixe seu lar.

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