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Para especialistas, impunidade aumenta risco de crimes no Amazonas

Jornalista e indigenista foram assassinados em região marcada por ilegalidades; entenda

Para especialistas, impunidade aumenta risco de crimes no Amazonas
Para especialistas, impunidade aumenta risco de crimes no Amazonas
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Quatorze dias já se passaram desde o desaparecimento do jornalista inglês Dom Phillips e do indigenista Bruno Araújo Pereira, servidor licenciado da Fundação Nacional do Índio (Funai). Os dois, que tiveram os assassinatos confirmados nesta semana, foram vistos pela última vez no dia 5 de junho, às 6h, na região do Vale do Javari, no município de Atalaia do Norte, no Amazonas. O local, além de ser alvo de garimpeiros e madeireiros ilegais, também é cercado pelo narcotráfico. A falta de fiscalização divide espaço com a impunidade. Ao SBT News, especialistas afirmam que o cenário abre margem para ocorrência de mais crimes. 

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"Infelizmente, nos últimos anos, estamos assistindo ao desmonte de todo o aparato de fiscalização ambiental no Brasil. Isso é facilmente comprovado, basta ver a quantidade de multas aplicadas, reduziu enormemente. Ao mesmo tempo, a gente verifica dados objetivos no aumento do desmatamento e de invasões em terras indígenas. Há um conjunto de infrações que está sendo, de alguma maneira, pouco combatido pelo governo", explica Wagner Costa Ribeiro, doutor em Geografia Humana pela Universidade de São Paulo (USP). 

O assassinato da dupla não foi o primeiro crime desse tipo na região. Em 2019, um servidor da Funai foi assassinado em Tabatinga, também no interior do Amazonas. À época, ele trabalhava no Vale do Javari e foi morto a tiros enquanto dirigia uma motocicleta. Até hoje, ninguém foi preso. 

O Vale do Javari fica na fronteira com o Peru e a Colômbia e é a segunda maior terra indígena do país, com 8,5 milhões de hectares demarcados. Além disso, abriga a maior densidade de povos indígenas isolados do mundo. 

Segundo o "Relatório Violência Contra os Povos Indígenas no Brasil", do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), em 2020, foram registrado 263 casos de "invasões possessórias, exploração ilegal de recursos e danos ao patrimônio", um acréscimo de 141% em relação a 2018, quando haviam sido identificados 109 casos. Este foi o quinto aumento consecutivo registrado nos casos desta natureza, que em 2020 atingiram pelo menos 201 terras indígenas.

Para Ribeiro, a sensação de impunidade estimula novas ações ilícitas. "Embora dessa vez a agressão não foi diretamente contra um povo originário, mas com um repórter importante que tem repercussão internacional e um agente do Estado", diz.

"Negócios ilícitos, evasão de madeira ilegal, pressão sobre terras indígenas, aspectos bastante estimulantes para um jornalista investigativo, como é o caso do Dom Phillips."

"Há muito o que investigar na região. Negócios ilícitos, evasão de madeira ilegal, pressão sobre terras indígenas, aspectos bastante estimulantes para um jornalista investigativo, como é o caso do Dom Phillips. Então imagino que ele poderia estar preocupado com essas pautas, mas não posso afirmar. Evidentemente essas pautas afetam interesses de várias ordens, inclusive internacionais", analisa o especialista. 

Perigo na região

Ainda de acordo com o estudo, medidas práticas do Executivo também contribuíram para o aumento da violência em terras indígenas, como o Projeto de Lei (PL) 191, apresentado pelo governo ao Congresso Nacional em fevereiro de 2020, e a Instrução Normativa (IN) 09, publicada pela Funai em abril deste ano. Enquanto o PL prevê a abertura das terras indígenas para a mineração, a exploração de gás e petróleo e a construção de hidrelétricas, entre outras atividades, a IN passou a permitir a certificação de propriedades privadas sobre terras indígenas não homologadas -- o que inclui terras em estágio avançado de demarcação e áreas com restrição de uso, devido à presença de povos isolados.

Para o coordenador do Laboratório e Grupo de Estudos em Relações Interétnicas (LAGERI), da Universidade de Brasília (UnB), Stephen Baines, o perigo na região do Vale do Javari é uma soma de fatores. "É uma área muito perigosa, sobretudo por ser perto da fronteira internacional onde há narcotráfico. Embora em quase todas as terras indígenas há interesse de madeireiros, garimpeiros e mineradores, além do avanço da agropecuária em muitas regiões do país", explica.

"As fronteiras são raramente vigiadas, é muito difícil cobrir uma área tão grande."

"Por ser uma área com densidade populacional relativamente baixa, as fronteiras são raramente vigiadas, é muito difícil cobrir uma área tão grande. Entretanto, o problema maior é o incentivo do governo atual para invadir as terras indígenas", acrescenta Baines. Ele também destaca o problema da falta de fiscalização como determinante para aumento do risco de crimes violentos. 

"O senso de impunidade faz com que as pessoas achem que podem ir fazer o que quiserem em terras indígena e não vai acontecer nada. É como uma carta branca para invadir a terra, o que realmente é um perigo para as pessoas que estão nessas regiões", arremata.

Leia também:

+ Raio-X de Atalaia do Norte, onde indigenista e jornalista morreram

+ Investigação da Polícia Federal descarta mandante em crime no AM

+ Mapa Mundi: Mortes de Dom e Bruno mostram Amazônia sem Lei para o mundo

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