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Criticada por sertanejos, Lei Roaunet é tida como importante por especialistas

Estudo da FGV aponta que, da sanção da lei até 2018, cada R$ 1 captado gerou em média R$ 1,59 ao país

Criticada por sertanejos, Lei Roaunet é tida como importante por especialistas
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Principal meio de fomento à cultura no Brasil, a Lei 8.313/1991, mais conhecida como Lei Rouanet, voltou a ser tema de polêmica, neste mês, devido a uma afirmação feita pelo cantor sertanejo Zé Neto -- da dupla com Cristiano -- no mesmo show em que alfinetou a cantora Anitta. Na ocasião, em Sorriso, no Mato Grosso, afirmou: "Nós somos artistas que não dependemos de Lei Rouanet, o nosso cachê quem paga é povo". Apesar do tom crítico adotado pelo artista, especialistas avaliam que a medida, sancionada no governo de Fernando Collor, é importante para a sociedade brasileira.

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De acordo com o economista Roberto Kanter, professor da Fundação Getulio Vargas (FGV), do ponto de vista da economia, sua relevância é "enorme". "Primeiro que ela já tem muitos anos, é uma lei de incentivo a projetos culturais que vem tendo ao longo do Brasil inteiro um enorme impacto na área de cultura e obviamente lazer, e os projetos, há muitos anos, se você olhar do ponto de vista quantitativo e qualitativo, eles são de uma extrema importância para o que nós chamamos de o ecossistema cultural brasileiro", completou.

O professor pontua que, na lei, "não existe a figura direta do 'estamos tirando dinheiro do bolso do contribuinte para investir em algo que nós não sabemos para onde vai'". Segundo ele, na realidade, "você abre mão do imposto futuro em detrimento, em compensação, a um projeto cultural que obrigatoriamente vai ter um impacto, seja ele regional ou nacional". Kanter acrescenta que ela foi formulada pegando como exemplo o modelo francês de incentivo, um dos melhores na época, e que seu modelo de negócio não é exclusivo do país: "Se você for pegar um filme de Hollywood, uma série, entra na Netflix, entra no cinema, onde quer que seja, você vai ver que quase todas as estrelas do filme são produtores executivos. Então isso não foi inventado no Brasil. No mundo inteiro os protagonistas do teatro, do cinema, da série da TV, todos eles também são captadores de recursos. E, enquanto captadores de recursos, eles têm direito a ficar com um percentual desse dinheiro pelo trabalho que eles fizeram, que varia de 10 a 20%".

A Lei Rouanet foi sancionada em 23 de dezembro de 1991, institui o Programa Nacional de Apoio à Cultura (Pronac) e dá outras providências. Seus objetivos são garantir o livre acesso à cultura, a todos os cidadãos, e incentivar o investimento no setor. Dessa forma, por meio da medida, pessoas físicas e jurídicas podem captar recursos de desoneração fiscal, para colocar em prática projetos culturais. As propostas desses projetos devem ser apresentadas, on-line, por meio do Sistema de Apoio às Leis de Incentivo à Cultura (Salic). Após a apresentação, passam por análise de admissibilidade, com a primeira etapa sendo um exame preliminar de admissibilidade.

Se aprovada na análise, a proposta é enquadrada em uma das faixas de renúncia fiscal previstas na lei e pode ser homologada para captação de recursos de empresas ou pessoas interessadas em doar para o projeto ou patrociná-lo. Nessa autorização de captação preliminar, se 10% do valor do total do projeto for arrecadado, ele recebe um número de Pronac e será analisado por uma unidade de análise técnica. Esta é responsável por emitir um parecer técnico sobre o projeto, com recomendação de aprovação total, parcial ou indeferimento. Após a emissão, ele segue para a Secretaria Nacional de Fomento e Incentivo à Cultura, para conferência.

O prazo máximo para captar os recursos necessários para o projeto é de 24 meses. Apenas depois que 20% é captado, a secretaria emite parecer de homologação de execução. O período em que o Salic recebe propostas culturais vai de 1º de fevereiro a 30 de novembro de cada ano. Empresas e pessoas que doarem/patrocinarem um projeto podem abater o valor total ou parcial, do apoio, do Imposto de Renda. Pessoa física pode destinar até 6% do imposto devido a um projeto, e pessoa jurídica, até 4%. O teto do valor homologado por projeto de tipicidade normal é de R$ 500 mil. Para os de tipicidade singular, como desfiles festivos e eventos literários, é de R$ 4 milhões. E para os de tipicidade específica, como concertos sinfônicos e museus, de R$ 6 milhões.

A pessoa que apresentar proposta cultural pode ser remunerada com recursos decorrentes de renúncia fiscal, se prestar serviço ao projeto e o valor da remuneração não ultrapassar 15% do total captado para execução. O teto para pagamento com recursos incentivados é de R$ 3 mil, por apresentação, para artista ou modelo solo; R$ 3,5 mil, por apresentação, por músico; e R$ 15 mil para o maestro, se for uma orquestra. Procedimentos da Lei Rouanet foram alterados no governo de Jair Bolsonaro (PL); em 2019, por meio de uma instrução normativa, o teto de captação por projeto passou a ser de R$ 1 milhão, frente ao limite de R$ 60 milhões que existia até então, por exemplo, sendo que os atuais R$ 500 mil foram estabelecidos por uma instrução publicada no Diário Oficial da União (DOU) em fevereiro deste ano -- a mais recente. Um estudo inédito, da FGV, divulgado em 2018 revelou que da sanção da lei até aquele ano, cada R$ 1 captado e executado por ela gerou em média R$ 1,59 na economia brasileira.

Zé Neto (Reprodução/Instagram)
Em polêmica iniciada com a fala de Zé Neto, deputada federal sugeriu que a Lei 8.313/1991 trata-se de uma "sacanagem" | Foto: Reprodução/Instagram

Isso significa que dos R$ 31,22 bilhões gerados em renúncia fiscal no período, 100% voltaram à economia do país e houve a geração de mais R$ 18,56 bilhões. Na avaliação do professor Roberto Kanter, a remuneração com recursos oriundos de renúncia fiscal para proponentes que prestem serviço ao projeto é "muito justa". Em suas palavras também, "existe uma distorção, uma visão irreal, como se o artista, seja no teatro, onde quer que seja, ganhasse dinheiro pela Rouanet". "Não, o que ele ganha na verdade é uma comissão por ter captado recursos para algo que por acaso ele também faz parte. E aí ele vai ter, como qualquer produtora, um orçamento, contas que tem que ser validadas dentro do processo de transparência da Lei Rouanet, para ganhar o salário dele."

Assim como Kanter, o doutor em direito comercial e professor da Faculdade Nacional de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro (FND/UFRJ) João Marcelo Assafim avalia que a lei é importante para o Brasil. De acordo com ele, está dentro não só da concepção do acesso à cultura, mas também do acesso à educação e das políticas públicas "de desenvolvimento, porque o direito ao desenvolvimento está na Constituição da República e o fomento das artes por política pública está no mesmo quadrado". "E criou-se a partir desta lei diretrizes para a cultura nacional. O secretário da Cultura à época se chamava Sérgio Paulo Rouanet, e ele concebeu lá, trabalhou, desenvolveu, foi o pai da história, e acabou batizando a lei 8.313 de Lei Rouanet", acrescenta.

Assafim afirma também que o "coração" da medida "é o exercício de direitos culturais através do livre acesso, garantir o acesso à cultura, porque você não vê muito fácil, não é da cultura do brasileiro nem investir em inovação por um lado, em pesquisa, desenvolvimento, tal, e também não é investir na cultura em si, na produção, e a ideia originariamente era essa". Em Portugal, de acordo com o professor, a lei do Meceneto funciona de forma parecida com a 8.313/1991, do Brasil, garantindo a possibilidade de incentivos fiscais serem concedidos para financiar a música, museus, conservação de bens históricos, entre outros.

Em janeiro deste ano, ou seja, antes da última instrução normativa sobre a Lei Rouanet ser publicada, o presidente Jair Bolsonaro disse que mudanças seriam feiras em relação à medida e que o governo a queria "para atender aquele artista que está começando a carreira e não para figurões ou figuronas". Em 2018, ano em que foi eleito, chamou de "desperdício" a liberação de R$ 7,3 milhões por meio da lei, que podiam "ser aplicados em áreas essenciais", e afirmou que ela havia sido "usada para cooptar parte dos artistas 'famosos' num projeto de Poder". "Em meu governo, sua utilidade será para artistas em início de carreira", prometeu à época.

Na polêmica iniciada com a fala de Zé Neto, neste mês, a deputada federal bolsonarista Carla Zambelli (PL-SP) sugeriu que a Lei Rouanet trata-se de uma "sacanagem". Já o youtuber e empresário Felipe Neto defendeu o texto, em crítica direta a Zé Neto: "Usa, como sempre, aquele discurso burro, de alguém que não sabe do que está falando, de falar da Lei Rouanet. Não sabe o que é Lei Roaunet, não sabe como funciona, não sabe quem pegava ou quem deixava de pegar, como ela era explorada, tinha erros, óbvio, como muitos projetos de governo têm erros, tinha erros, sim, mas não sabe o que é a lei".

Problemas

Tanto Roberto Kanter como João Marcelo Assafim dizem haver distorções na utilização da lei, em determinados casos. "Existem situações de malversação desse dinheiro, de algum tipo de uso inadequado, uso malfeito, ou até mesmo o desvio desse recurso para a aquisição de bens e serviços que não são cobertos pela lei. Mas para isso você tem o controle social. Você tem polícia, Ministério Público e o Poder Judiciário fazendo o seu trabalho, fazendo o seu papel. Não é porque tem uma distorção que o sistema tem que ser destruído. Não, muito pelo contrário. Ele deve ser aperfeiçoado", fala o professor da UFRJ.

Para Assafim ainda, "talvez a Lei Rouanet pudesse ser aperfeiçoada par alcançar mais pessoas, mais artistas". Isso no que diz respeito a recursos. Já o professor da FGV acredita que, "como tudo, eventualmente ela merece sempre ser modernizada".

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