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Cannabis além do tabu: os benefícios à saúde e o mercado em potencial

Especialistas e pacientes relatam experiências com uso medicinal. Setor poderia gerar 300 mil empregos no Brasil

Cannabis além do tabu: os benefícios à saúde e o mercado em potencial
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"Você precisa encontrar a sua jornada na Cannabis." A frase do triatleta e empresário Peu Guimarães lembra a trajetória do escritor e antropólogo peruano Carlos Castañeda, que ganhou notoriedade em 1968, após a publicação de sua dissertação de mestrado lançada no Brasil como a Erva do Diabo

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Pouco mais de meio século depois, a controvérsia sobre o tema ainda é grande. Há a expectativa de que o mercado movimente mais de US$ 50 bilhões (equivalente a cerca de R$ 271,8 bilhões) no mundo até 2025, apenas em produtos legalizados, segundo as projeções da New Frontier Data -- empresa americana especializada em análises do emergente setor. Em 2022, o crescimento será de 24% na receita global, saltando de US$ 29,4 bilhões (R$ 160 bilhões) em 2021 para US$ 36,6 bilhões (R$ 199 bilhões).

A demanda dos negócios em torno da planta medicinal deve abrir a busca de profissionais especializados, principalmente na área de saúde, com promessas de plantio, num futuro não muito distante. É a partir de um cenário assim, com o plantio autorizado, que a empresa Kaya Mind prevê no Relatório Impacto Econômico da Cannabis que o setor poderia gerar até 328 mil empregos para economia brasileira após o quarto ano da sua regulamentação. Neste cálculo, estão incluídas vagas no setor da exploração industrial do cânhamo -- variação da cannabis que pode ser utilizada principalmente para fibras têxteis. 

Atualmente 371 mil profissionais trabalham na indústria de Cannabis nos Estados Unidos -- uma parcela maior do mercado de trabalho do que as de engenheiros elétricos e dentistas, por exemplo, segundo a US Bureau of Labor Statistics. Estes dados são validados pela plataforma de busca de emprego Indeed, que registrou um aumento de 57% no número de vagas de trabalho com Cannabis de 2019 para 2021 no país. 

O plantio do cânhamo é legalizado nos EUA e há uma economia já complexa de fazendas com foco em extração das substâncias medicinas como o canabidiol. Além disso, há o mercado de Cannabis recreativa, que também movimenta a economia em determinados estados do país. 

Auxílio na importação

Para a CEO e fundadora do Dr Cannabis -- plataforma que ajuda o paciente nos trâmites com a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para conseguir o óleo --, Viviane Sedola, o caminho vem mudando desde 2017, quando decidiu investir no mercado de Cannabis. 

"A Dr Cannabis funciona como um despachante no processo de regulamentação para um paciente conseguir as documentações necessárias para o acesso ao medicamento", conta a empresária.  

Segundo a Cannabis Woman, como é conhecida no meio, o cliente se inscreve na plataforma, procura um médico que atenda a especialidade desejada e depois segue as instruções para conseguir a documentação com a Anvisa. Estando tudo certo, o óleo chega na casa do paciente, sem a necessidade de estoque no país ou da intervenção da plataforma no produto final.  

O vasto conhecimento da empresária, que viaja o mundo em busca de pesquisas e informações, é refletido na plataforma, que foi a primeira no Brasil especializada em maconha medicinal. "Nascemos com a chamada da informação e começamos a criar conteúdo", afirma a empresária, falando sobre o preconceito que ainda gira em tordo da planta.  

Além de facilitar o acesso ao medicamento, a plataforma idealizada por Viviane oferece cursos e informações sobre a planta e seu uso adequado.  

Uso medicinal

Peu Guimarães, que antes da pandemia mantinha um escritório cheio de clientes, viu na Cannabis e na paixão pelo esporte uma solução para suas dores crônicas e os efeitos colaterais causados pelos analgésicos e pelo coronavírus.  

O empresário se juntou ao amigo e atleta amador Fernando Paternostro no movimento  Atleta Cannabis, no qual propagam os benefícios do uso da planta de forma medicinal, além de funcionar como um espaço onde o cliente pode comprar desde óleo medicinal até óleos de massagem voltados para dor.  

"Em janeiro de 2020, minha mãe foi diagnosticada com câncer. Eu vi isso, os efeitos do uso da Cannabis medicinal na minha mãe", relembra o empresário. Peu, atribui o fato de sua mãe ter conseguido sobreviver aos tratamentos oncológicos ao uso da Cannabis medicinal.  

Leandro Stelitano, fundador e presidente da Associação para Pesquisas e Desenvolvimento da Cannabis Medicinal no Brasil (CANNAB) e vice-presidente do Conselho Estadual de Políticas Sobre Drogas da Bahia (CEPAD), conta que o início de sua jornada com a planta se deu em 2016, a partir de um amigo que tem um filho que precisava do óleo para controlar a epilepsia. "Foi assim que a busca por uma parceria para fundar uma associação começou", relembra.  

Atualmente, a associação conta com dois perfis de pacientes, os que já são associados e os novos, que fazem um acompanhamento do tratamento.  

"Temos entre 50 e 70 novos associados por mês e mais de 1.200 pacientes associados, a grande maioria pacientes de baixa renda", conta o médico que realiza consultas gratuitas. 

Visão médica

Apesar do boom na procura por derivados da planta em 2021, para o neurologista Lécio Figueira, especialista em epilepsia e neurofisiologia, é um erro discutir Cannabis como tratamento médico.  

Conforme o especialista, "utilizamos produtos obtidos da cannabis, contendo alto teor de canabidiol, mas raramente e para algumas situações o THC pode ser importante". O médico faz questão de deixar clara a linha que segue e de como funciona o tratamento que ele prescreve, uma vez que o uso de derivados da planta não é totalmente legalizado no Brasil. 

"Eu atendo pacientes com doenças neurológicas, em geral, com maior enfoque em epilepsia, principalmente casos mais graves em que não foi obtido controle das crises", ressalta o Lécio Figueira. O médico também cuida de pacientes com demência, doença de Alzheimer, Parkinson, cefaleia, esclerose múltipla, neuropatias, etc. 

Já para o Pedro Antonio Pierro Neto, neurocirurgião e integrante da Sociedade Brasileira para Estudo da Dor (SBED), o preconceito dificultou muito que a ciência avançasse no tema.  

"Eu cansei de escutar responsáveis, quando eu falava sobre o uso de cânhamo medicinal, que eu deveria abrir a cabeça do filho em vez do uso da planta como medicamento", relembra o médico.  

Para ele, porém, esse cenário está mudando. Hoje, a busca pelo medicamento aumentou e o preconceito tem sido vencido com o acesso à informação em torno do tema. "Atendo em média 20 pacientes, fora o retorno", ressalta. 

A também médica Maria Cristina Macedo avalia que o preconceito arraigado contra a Cannabis foi "instalado" na população mundial há muitos anos, pelas políticas de perseguição a grupos minoritários que usavam a planta de forma recreativa nos Estados Unidos. Ela crê que tais ações são, em grande parte, responsável pela dificuldade de se discutir a legalização dos fitoterápicos existentes na planta -- benéficas a pacientes portadores de doenças de difícil controle com a terapêutica convencional. 

Na visão dela, "com a aprovação da PL 399 em junho 2021, que viabiliza a comercialização de medicamentos que contêm extratos, substratos ou partes da planta Cannabis em sua formulação, deve haver um aumento no plantio e extração do óleo, favorecendo principalmente aqueles pacientes que não têm condições financeiras para arcar com os custos do produto". 

Cannabis e pandemia

Na busca por tratamentos contra a covid-19, cientistas publicaram um artigo na revista científica Frontiers in Pharmacology no fim de 2020, indicando que o cânhamo consegue atuar na chamada tempestade inflamatória associada à infecção pelo coronavírus.  

O estudo foi realizado em modelos animais em cima do THC (um dos fitocanabinoides da planta) e administrado via intraperitoneal (no abdômen) de camundongos. O tratamento atenuou a inflamação nos pulmões, resultando em 100% de sobrevivência.  

No final de 2021, pesquisadores de duas universidades do estado do Oregon, nos Estados Unidos, concluíram que o ácido canabigerólico (CBGA) e o ácido canabidiólico (CBDA), compostos da Cannabis, podem impedir que o coronavírus penetre em células humanas. Segundo o Journal of Nature Products, os ácidos conseguem barrar a ação de uma proteína do novo coronavírus, a Spike. Desse modo, impedem sua entrada na célula humana e a infecção. Os ácidos estudados são comuns em variedades de cânhamo. 

Segundo a publicação, os cientistas realizaram testes laboratoriais com as variantes alfa e beta do novo coronavírus, mas ainda não incluem a participação de humanos.

Com o isolamento social, Pierro Neto percebeu que a busca por uma medicina que não traga efeitos colaterais severos como os fármacos cresceu. "Hoje, a busca vai além de casos mais severos, como epilepsia, as pessoas estão buscando uma qualidade de vida melhor, para tratar a ansiedade e depressão", conclui o neurocirurgião funcional. 

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