MPF denuncia ex-médico por omitir tortura em laudo de vítima da ditadura
Para encobrir a responsabilidade dos agentes da repressão, documento corroborava versão de suicídio
O Ministério Público Federal (MPF) denunciou o ex-médico legista José Manella Netto por falsidade ideológica e ocultação de cadáver. O autor da denúncia do MPF, que levou à instauração da ação penal, é o procurador da República Andrey Borges Mendonça. A ação contra Netto, ex-funcionário do Instituto Médico Legal (IML) de São Paulo, foi aceita pela Justiça Federal e começa a tramitar.
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Em 1969, o então médico Manella Netto foi um dos autores do laudo necroscópico do corpo de Carlos Roberto Zanirato, primeiro militante sob custódia do Departamento Estadual de Ordem Política e Social de São Paulo (Deops/SP) a desaparecer. Zanirato foi preso e submetido a intensas sessões de tortura até sua morte, em junho daquele ano.
O relatório assinado por Manella Netto omitiu as verdadeiras causas do óbito. Com o intuito de encobrir a responsabilidade dos agentes da repressão, o documento corroborava a versão oficial de que o militante teria cometido suicídio ao saltar na frente de um ônibus, na avenida Celso Garcia, Zona Leste da capital paulista. Não houve perícia no local do atropelamento nem fotos da ocorrência, e nenhum inquérito policial foi instaurado, como deveria ter sido feito em casos daquele tipo.
O laudo oculta uma série de agressões anteriores que não poderiam ter sido causadas pelo impacto do atropelamento. Além disso, mesmo sabendo a identidade de Zanirato, os médicos registraram que a vítima era "desconhecida". O corpo de Zanirato foi enterrado como indigente, para que não fossem descobertas as "evidentes marcas de tortura" no corpo.
"A acusação está baseada em provas da existência de fato que, em tese, caracteriza infração penal e indícios suficientes de autoria delitiva. Assim reconheço a justa causa da ação penal", decidiu a 5ª Vara Criminal Federal em São Paulo.
Em 1994, o ex-integrante do IML chegou a ter o exercício profissional cassado após responder a um processo disciplinar no Conselho Regional de Medicina de São Paulo. Na ocasião, ele admitiu que o atropelamento não poderia ser apontado como a causa de alguns ferimentos presentes no corpo de Zanirato, e reconheceu que a vítima apresentava sinais de agressões sofridas antes do choque com o veículo.