Exército nega acesso a dados sobre lobistas de armas
Pedidos do SBT News sobre informações à Força foram recusados três vezes; agora, decisão cabe à CGU
O Comando do Exército negou três vezes ao SBT News o acesso aos dados sobre lobistas de armas solicitados por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI) durante os meses de agosto e setembro de 2021. A alegação da Força é de que o pedido esbarra na Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). Agora, a decisão da divulgação das informações caberá à Controladoria-Geral da União (CGU).
O uso da LGPD como argumento para restringir o fornecimento de informações por meio da LAI tem sido uma tônica no governo Jair Bolsonaro (sem partido). Segundo relatório da Transparência Brasil --que mostra o uso de justificativas de negativas da LAI tidas como "controversas"-- o aumento da justificativa de dados pessoais foi de 20% dos pedidos negados pelo Poder Executivo nos últimos 30 meses.
A reportagem pediu especificamente os nomes de representantes de empresas recebidos por militares da Diretoria de Fiscalização de Produtos Controlados (DFPC), que está localizada em salas no Quartel-General do Exército, um complexo de dez prédios, a 6km da Esplanada dos Ministérios.
No caso específico do pedido do SBT News, de acordo com o professor do Departamento de Filosofia e Teoria Geral do Direito da Universidade de São Paulo (USP), Juliano Maranhão, a LGPD não pode ser a justificativa para a não concessão de informações para fins jornalísticos. "A LGPD não se aplica ao processamento de dados para fins exclusivamente jornalísticos, artísticos ou acadêmicos, que representam parte significativa dos pedidos realizados por meio da Lei de Acesso à Informação", destaca.
"A LGPD não impede a publicização de dados, notadamente quando há uma previsão legal para tanto. É natural que com uma lei tão abrangente como ela é, haja um período de adaptação e interpretação de como ela vai se encaixar no ordenamento jurídico brasileiro, mas não há dúvidas de que há interpretações maliciosas que tentam usar a LGPD como desculpa para não cumprir certos deveres", explica Juliano Maranhão.
Segundo o especialista, nos casos em que esse tipo de decisão ocorrer, o argumento deve ser questionado. "Se existe algum motivo para que a informação não seja divulgada por meio do procedimento disposto pela LAI, essa justificativa não pode ser, pura e simplesmente, a existência da LGPD", ressalta Juliano.
Após a decisão da CGU, em relação ao pedido do SBT News, depois da terceira instância, ainda cabe mais um recurso, interposto à Comissão Mista de Reavaliação de Informações. A apelação é feita na própria plataforma digital disponibilizada pelo órgão ou entidade pública, por meio do Serviço de Informação ao Cidadão (SIC). "Se mesmo assim persistir a negativa, existe a possibilidade de buscar proteção no Judiciário por meio de ação judicial", diz Maranhão.
A LGPD, que protege dados pessoais, é uma legislação mais nova e entrou em vigor em setembro de 2020, buscando garantir a segurança e a privacidade dos dados dos cidadãos. Já a que tem o objetivo de publicizar informações do poder público, a LAI, está em funcionamento desde 2011.
Definição de dados pessoais
No artigo 5°, inciso I, da LGPD, a lei considera dado pessoal como uma informação relacionada a pessoa natural identificada ou identificável. "Isso inclui muitas informações que usamos no nosso dia a dia, das mais óbvias como nome, CPF e endereço às menos intuitivas como localização geográfica, padrões de compra, e o IP de dispositivos eletrônicos que utilizamos", explica o professor do Departamento de Filosofia e Teoria Geral do Direito da Universidade de São Paulo (USP).
Para Luan Madeira, consultor de Relações Governamentais da BMJ, a conceituação de dados pessoais na LGPD "é uma definição ampla". "É uma legislação mais principiológica, que vem para definir a base para tratamento de dados no Brasil", ressalta o especialista. Segundo Madeira, tratamento de dados é qualquer operação realizada com essas informações, seja coleta, seja produção, recepção, utilização, acesso, transmissão, distribuição, ou seja, qualquer ação realizada com dados pessoais.
LAI x LGPD
Esse embate entre a LAI e a LGPD não existe na prática, segundo especialistas. Maranhão aponta dois motivos para que uma lei não se sobreponha a outra: primeiro, a coexistência entre o dever da transparência e a proteção de dados pessoais na LAI e segundo, a não definição de LGPD como sigilo ou reserva.
"A LAI desde sempre reconheceu a necessidade de equilíbrio entre a proteção dos dados pessoais e o dever de transparência. Dentro desse regime, transparência e proteção coexistem. Tanto é que o art. 6º da LAI elenca, ao mesmo tempo, a gestão transparente das informações (inc. I), a proteção da informação (inc. II) e a proteção da informação pessoal (inc. III). Em segundo lugar, a LGPD não se confunde com preservação de sigilo ou reserva. Ela se aplica mesmo que os dados já estejam em posse de terceiros, determinando que o processamento desses dados tenha base legítima e seja adequado à finalidade que autorizou a coleta. De acordo com a LGPD, é necessário haver uma base legal para que se tratem dados pessoais. A lei explicita que obrigações legais ou regulatórias, por exemplo, são justificativa adequada para o tratamento de dados pessoais. Isto é, se havia tratamento de dados pessoais por conta de uma autorização legal, a existência da LGPD não impede esse tratamento", ressalta o professor.
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