A covid no sertão baiano: os impactos da pandemia na educação
Ensino remoto é desafio em locais onde a internet é artigo de luxo
Foi uma estradinha de terra, longa e esburacada, que nos levou até pequenos povoados de Quijingue, cidade de 29 mil habitantes no sertão da Bahia. Seu Justino estava à espera da nossa equipe de reportagem. Quando viu que havíamos chegado, veio caminhando ao nosso encontro. A mulher, dona Venância, tratou de correr atrás dos três filhos. As aulas presenciais na escola onde estudam os meninos de 15,13 e 9 anos foram suspensas em maio do ano passado por causa da pandemia. Mas como essas crianças acompanham as aulas remotamente? Foi a pergunta que eu me fiz quando vi aquela casinha, construída no fundo do terreno, no meio do nada.
"Estava na cara que celular e sinal de Internet não faziam parte da rotina deles. São artigos de luxo para quem sonha com um prato de comida."
Para incentivar crianças que vivem longe da tecnologia a não abandonarem a escola, o diretor passou a imprimir lições para os alunos fazerem em casa. Conhecemos Raíne no colégio, quando ela apareceu para buscar o dever do filho, Luis Otávio, de 7 anos. Decidimos acompanhá-la na volta para a casa. Raíne não escondeu a expectativa que sente em relação ao futuro de Luis Otávio. "Que ele estude, que ele seja alguém na vida, como eu não pude ser, né?", disse ela.
É Raíne que ajuda o menino na hora de fazer a lição. Luis Otávio está aprendendo a ler e escrever, processo que fica mais difícil longe da sala de aula. O garoto me disse que sonha em ser goleiro. Mesmo assim, defende a importância de estudar. "Ficar na faculdade, depois ó, tudo se resolve, tudo encaixa", disse sorrindo. Ele tem sorte de poder contar com a mãe na hora de fazer os exercícios. Já os filhos de Seu Justino precisam se virar sozinhos. O pai e a mãe deles até gostariam de participar, mas nenhum dos dois sabe ler nem escrever.
Seu Justino e dona Venância estão entre os 11 milhões e meio de brasileiros analfabetos. O Nordeste concentra a pior taxa, com quase 15% dos moradores nessa condição. Dados do Unicef, Fundo das Nações Unidas para Infância, mostram que no ano passado, mais de 5 milhões de crianças não tiveram acesso à educação no Brasil, quase a metade delas com idades entre 6 e 10 anos. Muitas que continuaram estudando nessa região do país não têm muita perspectiva, como conta a secretária municipal de educação de Quijingue. "Muitas vezes, o nosso discurso na sala de aula de que a educação transforma e de que é o único meio de transformar as nossas vidas, se depara com uma realidade de alunos que concluem o ensino médio mas que vão trabalhar na zona rural."
Mas mesmo quem vive da agricultura pode sonhar. Seu Josivaldo, mais conhecido como Seu Delo, vive na comunidade de Valerias, em Heliópolis, a 330 Km de Salvador. Aos 44 anos, está aprendendo a ler e escrever. A oportunidade chegou quando ele realizou o maior sonho: construir uma biblioteca. Mesmo sem saber o que os livros contam, o agricultor escolheu viver cercado por eles. É que existem muitas formas de ler o mundo. O amor é uma delas.