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Um ano da crise dos yanomamis: os erros e os acertos do governo

Sem acabar com crise humanitária e garimpo ilegal, alvo de decreto emergencial no início do governo, Lula anuncia nova estratégia

Um ano da crise dos yanomamis: os erros e os acertos do governo
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Uma comitiva de ministros do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) desembarcou nesta semana em Roraima para monitorar o início da nova estratégia de enfrentamento à crise humanitária e ao garimpo ilegal na Terra Indígena Yanomami.

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Um ano após o decreto de ações emergenciais de atenção aos povos da região, onde vivem 31 mil indígenas, o governo Lula anunciou que a presença das Forças Armadas e da Polícia Federal será permanente, a partir de 2024, e enviou a comitiva ministerial à região.

A mudança de estratégia é anunciada como correção de rota na política de enfrentamento aos problemas de saúde e aumento da violência na área, que abrange os estados de Roraima e Amazonas. A estimativa é de R$ 1,2 bilhão em 2024 para um conjunto de ações da União.

“Nós vamos ter que fazer um esforço ainda maior. Utilizar todo o poder que a máquina pública pode ter porque não é possível que a gente possa perder uma guerra para o garimpo ilegal, que a gente possa perder uma guerra para o madeireiro ilegal, que estão fazendo coisas contra o que a lei determina”, disse o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), após reunião com 13 ministros, em Brasília, um dia antes da comitiva embarcara para Roraima.

A comitiva ministerial iniciou nesta 5ª feira (11.jan) as visitas aos yanomami, em Roraima. O grupo acompanha a implantação das novas medidas. Marina Silva, ministra do Meio Ambiente, Silvio Almeida, dos Direitos Humanos e Sônia Guajajara, dos Povos Indígenas, integram a missiva. A presidente da Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas), Joenia Wapichana, o presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho, também estavam juntos.

Ministros e Roraima caso yanomamis

Em 2023, o número de mortes teve queda, mas ainda é alto: foram 308 registros de janeiro a novembro; em 2022, foram 343. Os casos de malária e outras infecções também estão altos. O número de garimpeiros chegou a ser estimado em 20 mil, antes das operações. Agora, seriam de 8 mil -- número ainda elevado e de risco.

"Vamos migrar de ações esporádicas para incursões permanentes, reestruturar a atuação das Forças Armadas na região para que consigamos retirar definitivamente invasores que continuam na região," afirmou o ministro da Casa Civil, Rui Costa.

Atualmente, as ações da PF e do Exército são pontuais. Lula prometeu mais empenho, depois de ouvir o balanço feito por ministros. O presidente reuniu 13 membros da equipe na 3ª feira (9.jan), em Brasília.

O Ministério Público Federal, entidades de defesa e associações de povos indígenas têm criticado a ineficácia das medidas adotadas emergencialmente pelo governo Lula, com a volta do garimpo ilegal, o agravamento dos problemas de saúde e a precariedade local.

O MPF tem alertado que, além dos ex-presidentes, a gestão Lula também é investigada e será, caso se apure omissão, responsabilizada judicialmente.

A crise yanomami ponto a ponto

Para entender a crise na Terra Indígena Yanomami e as ações e novas medidas do governo federal de enfrentamento ao problema, um ano depois do decreto de "assistência emergencial", o SBT News separou em tópicos o histórico, as posições, os apontamentos e as críticas de órgãos oficiais envolvidos e entidades.

TERRA E RIQUEZA NATURAL

Os problemas na Terra Indígena Yanomami, como invasões de garimpeiros, madeireiros e grileiros, doenças como a malária, confrontos e mortes violentas, desnutrição, falta de assistência médica e condições sanitárias, são antigos.

A corrida do ouro e o avanço da presença exploratórios são de décadas atrás, mas desde 2016, pelo menos, o cenário se agravou e teve um boom de crescimento nos últimos anos, como mostram dados e apontam entidades.

Formalmente declarada Terra Indígena em 1992, a área onde vivem os mais de 31 mil yanomamis pega Amazonas e Roraima. A ação da União na área não é uma "ajuda emergencial". É obrigação legal. A União é responsável por garantir a segurança dos povos locais, a área onde vivem e dar condições de saúde. O problema é que essa obrigação nunca foi cumprida em nenhum governo.

ENTIDADES

A presença de invasores em busca de ouro e outros minerais não é recente. O problema se agravou na última década e teve um pico em 2022, durante o governo Jair Bolsonaro (PL). Entidades indígenas e órgãos como o MPF tem buscado responsabilizar o Estado.

As ações do governo Lula em 2023 decorrem de decisões judiciais e da cobrança dos órgãos. A morte de mais de 500 crianças na terra yanomami em 2022, os assassinatos, casos de estupros, presença do crime organizado na região e a destruição de grandes áreas pela ação do garimpo foram impulsionados na gestão de Bolsonaro, segundo denúncias das entidades e autoridades.

"É importante destacar que no dia 30 de janeiro deste ano (2023) o governo federal publicou decreto que 'Dispõe sobre medidas para enfrentamento da Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional e de combate ao garimpo ilegal no território Yanomami a serem adotadas por órgãos da administração federal', ações essas que foram se frustrando ao longo do ano com a volta do garimpo, agravamento da emergência em saúde e a continuidade da situação precária na Casai-Y."

No final de 2023, após o abuso cometido contra uma criança yanomami de 11 anos, próximo da Casa de Apoio à Saúde Indígena Yanomami (Casai-Y), em Boa Vista (RR), a Hutukara Associação Yanomami (HAY) citou o insucesso de algumas ações do governo federal.

AÇÕES DA PF

As ações de destruição de balsas e dragas do garimpo ilegal em terras indígenas invadidas, desmonte de acampamentos, aeronaves pela PF e outras forças de segurança aumentaram em 2023.

O governo apresentou balanço de mais de 400 ações na terra yanomami, com quase R$ 600 milhões aprendidos, em espécie e bens. O diretor-geral da PF, delegado Andrei Passos Rodrigues, esteve na reunião com Lula, na 3ª feira, junto com o delegado Humberto Freire de Barros, que assumiu a recém-criada Diretoria de Amazônia e Meio Ambiente da PF.

+ PF intensifica ação contra crimes ambientais, e em terras indígenas

Polícia Federal deflagrou 13 operações, 114 mandados de busca e apreensão, 175 prisões em flagrante e apreendeu bens no valor de R$ 589 milhões. Ainda há 387 investigações em andamento. Além disso, foi feito o controle do espaço aéreo na região, para combater voos clandestinos e o envio de suprimento aos garimpos.

STF E A UNIÃO

No Supremo Tribunal Federal (STF), a retirada de garimpeiros e a proteção territorial da Terra Indígena Yanomami é cobrada da União na ADPF 709, de 2020. A arguição de descumprimento de preceitos constitucionais (ADPF) foi movida pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib).

O alvo é a União pelo não cumprimento de suas obrigações em sete terras indígenas demarcadas:

  • Yanomami
  • Karipuna
  • Uru-Eu-Wau-Wau
  • Kayapó
  • Araribóia
  • Mundurucu
  • Trincheira Bacajá

Em novembro, o ministro Luiz Roberto Barroso, relator do caso, cobrou do governo federal um novo plano para "desintrusão" dos garimpeiros da terra yanomami.

MPF

Desde 2018, a União é cobrada formalmente pelo Ministério Público Federal (MPF), na Justiça, por descumprimento de uma obrigação constitucional. A ação abrange não só a área dos yanomamis, mas também outras seis terras indígenas já demarcadas.

Segundo o MPF, "por mais de uma vez, o órgão afirmou que as ações governamentais destinadas à retirada dos invasores da terra indígena eram insuficientes, com efeitos localizados e temporários".

"A grave situação de saúde e segurança alimentar sofrida pelos povos Yanomami resulta da omissão do Estado brasileiro em assegurar a proteção de suas terras", segundo nota da Câmara de Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais do Ministério Público Federal (6ªCCR/MPF).

"Há diversos relatos de aliciamento, prostituição, incentivo ao consumo de drogas e de bebidas alcoólicas e até estupro de indígenas por parte dos garimpeiros", denuncia o Ministério Público Federal.

Em dezembro, a Justiça Federal de Roraima atendeu pedido do MPF e exigiu novo cronograma de ações. São alvos a União, a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).

Segundo a Procuradoria, no segundo semestre de 2023 as ações deixaram de surtir efeito e houve reocupação de áreas pelo garimpo, com riscos à "segurança, a saúde e a vida dos povos indígenas".

EMERGÊNCIA EM SAÚDE

A ação emergencial em Roraima na terra yanomami abriu -- junto com o 8 de janeiro -- a temporada de crises do governo Lula. Foi uma decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luís Roberto Barroso, de janeiro de 2023, que impulsionou as medidas. Ele ordenou uma apuração de práticas de genocídio e outros crimes por parte do governo federal.

O foco eram as ações da União na gestão Jair Bolsonaro (PL), que se agravou com a pandemia da Covid-19. Mas o processo é mais abrangente e pode chegar ao governo Lula.

Em 21 de janeiro do ano passado, o Ministério da Saúde declarou Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional diante da situação. O governo Lula anunciou as primeiras medidas emergenciais.

O Ministério da Saúde divulgou um quadro com o balanço de casos em 2023, que pode ser visto acima. Em nota, a Pasta informou que "a queda de óbitos é um dos resultados da operação do governo federal que, desde janeiro, atua para salvar vidas e combater a crise humanitária enfrentada por essa população nos últimos anos".

O Ministério dos Povos Indígenas, criado por Lula, também divulgou uma lista de ações adotadas em 2023: mobilização de 1.850 profissionais da saúde, que fizeram mais de 13 mil atendimentos, além de distribuição de mais de 32 mil cestas básicas, reabertura de sete polos-base para fiscalização e proteção territorial, reforma de pistas de pouso e controle do espaço aéreo, entre outras.

Para o ministro da Casa Civil, Rui Costa, o balanço das ações direcionadas à população yanomami em 2023 é positivo e "o grosso do trabalho de combate ao crime organizado foi feito de forma vitoriosa".

Uma das mudanças para os próximos meses será a saída do Ministério da Defesa e das Forças Armadas na logística de entrega de mantimentos. Quem assume a responsabilidade é o Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos, que deve fazer um contrato para o serviço. Segundo Rui Costa, há alimentos e cestas básicas estocados e que serão distribuídos pelo Exército e pelas Forças Armadas nesses primeiros meses ainda.

MARCO TEMPORAL

Outra questão sobre o tema está no STF e no Congresso, que travaram uma disputa em relação à definição dos direitos dos indígenas às suas terras. O chamado marco temporal trata de uma regra legal para oficialização das áreas declaradas pela União como Terra Indígena. Ela estipula que só as terras que já eram ocupadas por indígenas em 5 de outubro de 1988 (ano da promulgação da Constituição vigente) poderiam ser demarcadas.

O Supremo declarou inconstitucional o uso da tese, em setembro de 2023, nos processos judiciais. O Senado aprovou por 43 votos a 21 o projeto que institui o marco temporal, em setembro. O governo Lula vetou o artigo central do projeto, mas o Congresso derrubou o veto (321 votos a favor e 137 contra, na Câmara dos Deputados; e 53 a 19, no Senado). O tema segue em recurso na esfera judicial.

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